Wagner e Oliveira (2007) destacam uma possível correlação entre adolescentes com baixo índice de *habilidades sociais* e a presença de transtornos psicológicos, como depressão, transtornos de ansiedade e transtornos relacionados ao uso de substâncias. Quando observadas crianças de escolas públicas, percebe-se que o contexto em que se encontram, com poucos recursos familiares e sociais, promove baixos comportamentos socialmente assertivos, diferindo-se de adolescentes de escolas particulares (Von Hohendoff et al, 2013).
Segundo Leme e colaboradores (2015), empatia, autocontrole, civilidade, capacidade de demonstração de afeto e desenvoltura social são habilidades sociais significativamente ligadas a relacionamentos sociais positivos que promovem o bem-estar. Caballo (2003) ressalta que a demonstração de habilidades sociais permite que o adolescente se sinta satisfeito no âmbito de integração social, e essa interação reforça os aprendizados de novas estratégias e comportamentos funcionais.
*A solidão é um sentimento muito comum em adolescentes que tentam o suicídio*. Esses jovens relatam sentir falta de amigos, e, por não terem ninguém para dividir experiências e tristezas, apresentam maior probabilidade de desencadear problemas emocionais, comportamentais e afetivos (Dutra, 2002). Pietro e Tavares (2005) destacam que a falta de convivência com os demais pares durante a fase da adolescência é um fator de risco ao suicídio.
Entende-se que as experiências vividas no grupo de pares podem ser muito significativas e influenciar as características individuais dos adolescentes, incluindo comportamentos, temperamentos, cognições e habilidades para resolução de problemas. Além disso, influenciam a autoestima e amenizam o impacto de eventos estressores, constituindo-se em importante fonte de apoio emocional e social (Braga e Dell’Aglio, 2013). A adolescência é um período em que o indivíduo se torna mais vulnerável e influenciável, pois há a necessidade de pertencimento e busca por aprovação por esses grupos relacionais, além do processo de construção da identidade que incorpora valores éticos e morais (Berni e Roso, 2014).
Terapia Cognitivo-Comportamental Interventiva em Adolescentes com Ideação Suicida
A teoria cognitivista firma-se na premissa de que cinco elementos estão inter-relacionados no modelo cognitivo das dificuldades psicológicas: o contexto interpessoal e ambiental, o funcionamento emocional, o comportamento e a cognição, criando um sistema dinâmico e complexo (Beck, 2022).
Segundo Robert Friedberg (2019), o modelo cognitivo contempla cinco grupos de sintomas: fisiológicos, comportamentais e de humor, além dos cognitivos e interpessoais. O modelo cognitivo é explicado por Judith Beck (2022):
(…) o modelo cognitivo propõe que o pensamento disfuncional (que influencia o humor e o comportamento do cliente) é comum a todos os transtornos psicológicos. (…) As cognições (tanto adaptativas quanto as mal adaptativas) ocorrem em três níveis. Os pensamentos automáticos (…) estão no nível mais superficial. (…) crenças intermediárias, como pressupostos subjacentes (…). No nível mais profundo, encontram-se suas crenças nucleares sobre si mesmo, sobre as outras pessoas e sobre o mundo (…).
Frente às situações vividas pelos adolescentes, e considerando que essa abordagem se debruça sobre o pressuposto de que os comportamentos das pessoas são influenciados pelo modo como elas interpretam as situações e o mundo (Beck et al., 1997), entende-se que esses indivíduos irão reagir de acordo com a interpretação que fizerem da própria situação. Deste modo, as cognições possuem uma relação estreita com as reações emocionais (Wright et al., 2008).
Tendo em vista os fatores de risco dos adolescentes em relação a ideações suicidas, é necessário buscar soluções, avaliar e intervir para diminuir os casos de ideação suicida e suas taxas elevadas de suicídio. Nesse contexto, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) se faz presente, de forma que, através de um conjunto articulado de ações e trabalhando colaborativamente com os familiares, pode prevenir a ideação e o ato suicida, principalmente nesta população jovem (Alavi et al., 2013; Katz et al., 2004). A TCC também pode ser aplicada de forma preventiva juntamente com a família, sendo esta a principal rede de apoio protetora, e melhorando o funcionamento familiar (Sandler et al., 2016).
Dados levantados por Sandler et al. (2016) mostram que a cada 100 crianças submetidas a algum tipo de intervenção cognitivo-comportamental, dez possuem chances verdadeiras de ideação suicida durante os próximos 15 anos. Por isso, é importante destacar que o momento entre a ideação suicida, tentativas e concretização da morte pode oferecer um tempo propício para a intervenção (Werlang et al., 2005).
Outro fato abordado por Asarnow (2015) é que adolescentes que possuem déficits na regulação da emoção podem ser mais propensos a cometer suicídio. A TCC atuará, então, melhorando os índices de ideação suicida pela melhora nos quadros depressivos, pois, quando trabalhada a desesperança e ajustando o jovem à sociedade, permite-se a eles uma melhora significativa nos quadros de suicídio (Asarnow et al., 2015).
O plano de tratamento terapêutico para pacientes com ideação suicida é análogo a outros processos terapêuticos, como para depressão, transtorno de ansiedade, transtorno de dependência de substâncias e outros (Wenzel et al., 2010). Wenzel e colaboradores (2010) destacam que o terapeuta tem como função auxiliar e educar o paciente sobre seu modelo cognitivo, de forma que ele consiga interpretar suas distorções cognitivas e como elas estão correlacionadas com seus comportamentos e emoções. Como características primordiais para o tratamento, temos a identificação de pensamentos, imagens e crenças centrais que são atuantes antes da tentativa de suicídio, sendo necessário, então, criar estratégias cognitivas e comportamentais de enfrentamento para esta situação estressora (Wenzel et al., 2010).
A TCC opera reestruturando cognitivamente o paciente, regulando suas emoções e trabalhando as habilidades sociais que podem estar ligadas à ideação, buscando o desenvolvimento de processos conscientes e adaptativos, pensamentos racionais e soluções para os problemas (Asarnow, 2011). A transformação dos pensamentos disfuncionais possibilita modificar o comportamento desses jovens através de técnicas cognitivas e comportamentais (Willson e Branch, 2011; Beck, 2014; Peron e Sartes, 2015).
Asarnow et al. (2015) destacam que a verificação de humor e dos pensamentos disfuncionais relacionados à autolesão/suicídio precisa ser feita em todas as sessões, a fim de acompanhar a evolução do paciente e o quão seguro ele está. Outro ponto levantado pelos autores citados anteriormente é a necessidade de uma boa relação terapêutica. A terapia cognitivo-comportamental requer uma aliança terapêutica sólida, utilizando habilidades de aconselhamento e acolhimento, empatia e autenticidade, juntamente com a confiança básica e rapport (Beck, 2022). É necessário desenvolver uma boa aliança terapêutica, pois, através dela, o paciente se sentirá mais engajado e motivado, trabalhando de forma colaborativa e ativa para o tratamento, valorizando o presente e ensinando-o a ser seu próprio terapeuta (Wright et al., 2008; Beck, 2014).
A TCC busca a diminuição dos possíveis atos suicidas através de técnicas como o treino de habilidades para a resolução de problemas; auxiliar o paciente na busca por ferramentas cognitivas que o ajudem a identificar as razões para viver, promovendo a esperança; fazer com que o paciente busque sua rede de apoio; buscar o tratamento psiquiátrico; necessidade e importância de se manter na psicoterapia e, por fim, trabalhar as técnicas de prevenção de recaídas e o plano de segurança (Henriques, Beck e Brown, 2003; Wenzel et al., 2010).
Portanto, é necessário alinhar o plano terapêutico a outras estratégias de prevenção ao ato suicida, como ações no meio familiar, social e profissional, sendo sempre direcionado ao cuidado com a saúde mental. O terapeuta deve usar como recurso a empatia e a boa aliança com o paciente, sendo por meio dessas atitudes de caráter acolhedor que proporcionarão ao paciente o sentimento de esperança (Botega et al., 2006).
Indo além
De acordo com Macedo (2017), a adolescência diz respeito a um período contínuo do desenvolvimento humano que define socialmente a transição da infância para a adultez. Levando em conta a peculiaridade da fase do desenvolvimento humano em que se encontra a adolescência, onde ocorrem mudanças neurobiológicas, emocionais e físicas, mostra-se necessário a busca por estudos contínuos sobre as necessidades, fatores de risco e seus manejos apresentados neste período. Esta pesquisa enfatiza o aspecto do suicídio, assim como suas possíveis causas e o tratamento realizado na área da psicologia na abordagem Terapia Cognitivo-Comportamental.
Escolhemos falar sobre esse tema, uma vez que, há um significativo aumento de casos divulgados sobre autolesão em adolescentes. Este trabalho se atém aos possíveis problemas que podem ser desencadeadores do ato suicida, como comportamentos impulsivos e arriscados, consumo de drogas, álcool, sexo precoce, sintomas depressivos, além da falta de habilidades sociais e dificuldade de regulação emocional por esses jovens.
É importante compreender que esse episódio é uma consequência final de um processo de adoecimento mental, pois suas causas são multifatoriais, integrando fatores psicológicos, sociais, culturais, biológicos e genéticos, não tendo, portanto, uma razão específica. Contudo, uma das características que os pacientes em sua maioria apresentam é a desesperança (CFM/ABP, 2014). Portanto, é indispensável que os terapeutas estejam preparados para lidar com a desesperança do paciente, conhecendo técnicas, estratégias e posturas que favoreçam um tratamento eficaz nos quadros de ideação suicida (Gatti & Mendes, 2020).
Conclusão
O suicídio ainda é considerado um tabu em nossa sociedade, porém vê-se necessário falar sobre ele a fim de informar a sociedade de que o fato de se falar em ideação suicida não significa incentivo aos demais cometerem tal ato, e sim como uma forma de prevenção. Os adolescentes compõem um grupo de risco devido às mudanças hormonais e às dificuldades em resolução de problemas. Portanto, deve-se voltar os olhares e estudos específicos para esta etapa do desenvolvimento humano a fim de encontrar melhores estratégias para a prevenção da autolesão.
É notório a baixa quantidade de artigos e estudos em língua portuguesa que destacam a importância e as contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental para casos de ideação suicida em adolescentes, assim como protocolos de atendimentos específicos. Contudo, os artigos pesquisados e utilizados neste trabalho demonstram a eficácia do tratamento com a TCC para casos de autolesão, sendo assim um campo que necessita de mais estudos e pesquisas para que os profissionais estejam mais bem preparados e embasados para os atendimentos deste grupo específico.
Haysse de Freitas
Psicóloga Clínica – Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicóloga
Contato: (62) 98151-7172
email: haysse.freitas@outlook.com
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Danilo Suassuna
CEO Instituto Suassuna
Referências
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