O que é diabetes gestacional e como ela afeta o cérebro do bebê?

  • post publicado em 22/05/25 às 11:08 AM
  • Tempo estimado de leitura: 5 minutos

 

O que é diabetes gestacional e como ela afeta o cérebro do bebê?

Introdução

O desenvolvimento cerebral de um bebê começa muito antes do nascimento. A qualidade do ambiente intrauterino – incluindo nutrição, hormônios, oxigenação e equilíbrio metabólico – tem impacto direto sobre a formação de estruturas neurais e circuitos que vão sustentar funções cognitivas e comportamentais ao longo da vida. Entre os fatores que podem influenciar negativamente esse ambiente, a diabetes gestacional (DG) tem ganhado destaque na literatura científica como um dos mais relevantes.

Neste artigo, vamos explicar o que é a diabetes gestacional, como ela pode afetar o neurodesenvolvimento fetal, e por que ela está associada a riscos aumentados de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), transtornos de linguagem e dificuldades socioemocionais. O texto é fundamentado em evidências científicas, conceitos da psicologia perinatal e propostas de cuidado integrativo como o projeto Todos Cuidados, do Instituto Suassuna.

O que é diabetes gestacional?

A diabetes gestacional é uma condição caracterizada pelo aumento dos níveis de glicose no sangue da gestante, diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez, geralmente no segundo trimestre. Diferente da diabetes tipo 1 e tipo 2, ela costuma desaparecer após o parto – mas seus efeitos sobre a saúde da mãe e do bebê podem perdurar por anos.

Estudos estimam que entre 7% a 14% das gestações em países como o Brasil apresentem esse diagnóstico, dependendo da população e dos critérios adotados (ADA, 2022). A condição resulta de uma combinação entre resistência insulínica fisiológica da gravidez e predisposição genética ou metabólica da mulher.

Por que a diabetes gestacional é um risco para o bebê?

Durante a gestação, a placenta libera hormônios que dificultam a ação da insulina. Em mulheres com predisposição, isso leva a um acúmulo de glicose no sangue – e o excesso de glicose atravessa a placenta, chegando ao feto. Isso pode causar:

  • Macrossomia fetal (bebês muito grandes ao nascer)
  • Hipoglicemia neonatal
  • Aumento do risco de obesidade e síndrome metabólica na infância
  • Alterações no desenvolvimento neurológico

Nos últimos anos, a literatura científica tem mostrado que essa hiperglicemia intrauterina também pode alterar a forma como o cérebro do feto se desenvolve, afetando áreas como o córtex pré-frontal, os núcleos da base e o cerebelo – todas associadas à regulação da atenção, impulsividade e controle motor.

Diabetes gestacional e TDAH: qual é a relação?

Um estudo recente da Edith Cowan University (ECU), na Austrália, encontrou que crianças nascidas de mães com diabetes gestacional têm uma probabilidade significativamente maior de desenvolver sintomas de TDAH. A pesquisa, publicada em 2023, identificou que esses filhos apresentavam mais sintomas externalizantes (impulsividade, agitação) e déficits atencionais já nos primeiros anos de vida (ScienceDaily, 2023).

Esse achado não é isolado. Uma meta-análise publicada no “Medical News Today” (2024), reunindo dados de mais de 200 mil pares mãe-bebê, confirmou que a exposição à diabetes gestacional aumenta em 30% o risco de TDAH na infância, mesmo quando controlados outros fatores como obesidade materna, idade e nível educacional.

Outros estudos indicam que a combinação de diabetes gestacional + obesidade materna pode dobrar o risco de TDAH, sugerindo um efeito sinérgico (Li et al., 2020; Medscape Português, 2024).

Mecanismos biológicos: como o cérebro é afetado?

O impacto da DG sobre o neurodesenvolvimento fetal envolve múltiplos mecanismos, incluindo:

  • Estresse oxidativo e inflamação: o excesso de glicose desencadeia inflamação crônica e estresse oxidativo, que afetam a migração neuronal e a maturação sináptica.
  • Desequilíbrio na mielinização: o cérebro do bebê pode apresentar atrasos na formação da bainha de mielina, essencial para a condução dos impulsos nervosos.
  • Disfunção do eixo HPA: alterações na resposta ao cortisol e no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que modula o estresse e a atenção.
  • Epigenética: a exposição à hiperglicemia pode modificar a expressão de genes relacionados ao neurodesenvolvimento e ao comportamento (Kundakovic & Champagne, 2015).

A psicologia perinatal e o cuidado com o bebê desde o útero

A psicologia perinatal, como discutida por autores como Karla Cerávolo em Todo Parto Importa (Editora Suassuna, 2021), reconhece que a gestação é um período de intensa plasticidade psíquica e neurológica. O bebê já intrauterino responde ao ambiente emocional e físico da mãe – e a qualidade desse ambiente, inclusive metabólica, importa profundamente.

Cerávolo propõe um modelo de cuidado que começa ainda na gestação e se estende ao puerpério, envolvendo aspectos emocionais, sociais e fisiológicos. Um dos princípios defendidos pela autora é o de que “prevenir adoecimentos da infância começa pelo acompanhamento emocional e físico da gestação”.

A Rede Umbiguinho, vinculada ao Instituto Suassuna, também promove esse olhar integrativo por meio de ações como grupos de gestantes, cursos de qualificação para babás e formação de doulas psicólogas.

O papel da escuta e do cuidado multiprofissional

A diabetes gestacional não é uma sentença. Com acompanhamento adequado e medidas integradas de cuidado, é possível minimizar os impactos sobre o bebê. Isso inclui:

  • Monitoramento médico adequado
  • Alimentação orientada por nutricionista
  • Acompanhamento psicológico da gestante
  • Inserção em redes de apoio comunitário

A psicologia perinatal deve estar presente na rede de cuidado dessas mães – não como diagnóstico, mas como presença. Como defende a autora Karla Cerávolo, “escutar o medo da mãe é tão terapêutico quanto controlar a glicemia.”

E quando o bebê nasce? Acompanhamento precoce é chave

Crianças nascidas de gestações com diabetes gestacional devem ser acompanhadas com atenção redobrada para marcos do desenvolvimento. Os sinais de desatenção, impulsividade ou dificuldade de regulação emocional devem ser observados com sensibilidade e sem estigmatização.

O cuidado interdisciplinar é essencial: pediatria, psicologia, psiquiatria infantil e neurologia devem trabalhar de forma articulada, e é aqui que entra o projeto Todos Cuidados.

Todos Cuidados: uma alternativa de tratamento precoce e integrado

O projeto Todos Cuidados, do Instituto Suassuna, é uma iniciativa que oferece suporte psicológico de baixo custo e alta qualidade para famílias em vulnerabilidade ou risco emocional.

Crianças com histórico de gestações complicadas, como aquelas afetadas pela diabetes gestacional, podem ser encaminhadas para triagens especializadas, com avaliação por psicólogos, neuropsicólogos e médicos da infância.

O projeto também oferece acolhimento para mães no puerpério e espaços de escuta para pais, cuidadores e familiares. Você pode saber mais acessando: institutosuassuna.com.br/todos-cuidados

Considerações finais

A relação entre diabetes gestacional e TDAH é um campo emergente da neurociência e da psicologia perinatal. Embora ainda não possamos afirmar que a DG causa TDAH de forma determinística, os estudos mostram uma associação consistente que merece atenção clínica e cuidado social.

Mais do que patologizar, o que queremos é prevenir e cuidar. Acompanhar a gestação com sensibilidade, oferecer suporte multiprofissional, e acompanhar o bebê ao longo do desenvolvimento são ações fundamentais para transformar um fator de risco em oportunidade de vínculo e crescimento.

Como psicólogo e pós-doutor em psicologia e educação, Dr. Danilo Suassuna lembra que:

“Nenhuma condição da gestação determina o futuro de uma criança – mas todas elas merecem escuta, cuidado e presença para que o futuro se torne possível.”

Referências

  • American Diabetes Association (2022). Classification and Diagnosis of Diabetes. Diabetes Care, 45(Suppl 1): S17–S38.
  • Li, M. et al. (2020). Gestational diabetes mellitus and risk of attention-deficit/hyperactivity disorder in offspring: A systematic review and meta-analysis. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 114: 68–75.
  • ScienceDaily (2023). Gestational diabetes linked to ADHD in children. Edith Cowan University. Disponível em: sciencedaily.com
  • Karla Cerávolo (2021). Todo Parto Importa: assistência psicológica no parto. Editora Suassuna.
  • Kundakovic, M., & Champagne, F. A. (2015). Early-life experience, epigenetics, and the developing brain. Neuropsychopharmacology, 40(1), 141–153.
  • Projeto Todos Cuidados. Instituto Suassuna. https://institutosuassuna.com.br/todos-cuidados

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

Acesse o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8022252527245527