

Muito Antes do Diagnóstico: Fatores Gestacionais que Aumentam o Risco de TDAH
Introdução: o TDAH começa no útero?
Há alguns anos, dizer que o TDAH poderia ter raízes ainda na gestação parecia especulativo. Hoje, com o avanço da neurociência, da epigenética e da psicologia perinatal, sabemos que o cérebro do bebê começa a ser moldado muito antes do parto. O útero materno é o primeiro ambiente de desenvolvimento – e ele é ao mesmo tempo biológico, emocional, nutricional, relacional e social.
A pergunta então não é mais “será que o TDAH começa no útero?”, mas “quais experiências gestacionais favorecem (ou dificultam) o desenvolvimento saudável da atenção, da autorregulação e da função executiva?”
Neste texto, vamos apresentar os principais fatores gestacionais associados ao risco de TDAH, com base na ciência atual. Mais do que isso, vamos pensar o que esses dados nos dizem sobre o papel da psicologia na gestação e sobre como cuidar da mãe é cuidar da mente do bebê.
O bebê sente o que a mãe vive
Durante a gravidez, o bebê é exposto a uma série de experiências que não são apenas fisiológicas, mas psicoemocionais. A voz da mãe, o ritmo do coração, a tensão corporal, os níveis de cortisol no sangue, os hormônios do afeto ou da angústia – tudo isso compõe um campo de experiências que será registrado no corpo e no psiquismo do bebê em formação.
Na psicologia perinatal, esse campo é chamado de ambiente emocional uterino – conceito trabalhado por autores como Viviane Benarroch, David Brazelton e, no Brasil, Karla Cerávolo, coordenadora da formação Todo Parto Importa (Editora Suassuna, 2021).
“É na qualidade emocional da gestação que se inicia a escuta de mundo do bebê. Antes mesmo de nascer, ele aprende se é seguro existir.” (Cerávolo, 2021)
O que os estudos dizem sobre fatores gestacionais e TDAH
A ciência tem avançado muito no mapeamento de fatores de risco intrauterinos associados ao desenvolvimento de TDAH. Os mais estudados incluem:
1. Diabetes gestacional
Como vimos nos textos anteriores, crianças expostas à hiperglicemia intrauterina apresentam maior risco de TDAH. A glicose excessiva pode alterar processos neurobiológicos essenciais como a migração neuronal e a mielinização (Li et al., 2020).
2. Estresse materno
Altos níveis de cortisol durante a gestação afetam a organização do eixo HPA fetal e podem predispor a alterações no córtex pré-frontal e no sistema límbico. Um estudo de Van den Bergh et al. (2017) mostrou que a exposição ao estresse gestacional aumenta em 30% o risco de sintomas de desatenção e hiperatividade na infância.
3. Tabagismo e álcool
O uso de cigarro ou álcool na gestação está fortemente associado a maior incidência de TDAH. O tabagismo, em especial, tem efeito dose-resposta: quanto mais cigarros por dia, maior o risco (Thapar et al., 2013).
4. Desnutrição ou carência de nutrientes-chave
Falta de ferro, ômega-3, zinco e colina na gestação pode comprometer a formação de áreas cerebrais responsáveis pela regulação da atenção e do comportamento (Boekelheide et al., 2020).
5. Exposição a inflamações ou infecções maternas
Infecções como gripe, Covid-19 ou infecções urinárias não tratadas durante a gestação podem desencadear processos inflamatórios que afetam o cérebro fetal – especialmente em momentos críticos da gestação.
6. Violência obstétrica e isolamento afetivo
Embora menos estudado do ponto de vista biomédico, o impacto do abandono, da negligência emocional ou da violência médica durante a gestação é reconhecido na clínica psicológica como um trauma silencioso que reverbera no vínculo e na estruturação psíquica do bebê.
Epigenética: como a experiência molda o gene
Mesmo quando há predisposição genética para TDAH, os fatores ambientais têm papel crucial. A epigenética é o campo que estuda como fatores como estresse, alimentação, vínculo e ambiente social modificam a expressão dos genes sem alterar a sequência do DNA.
O estudo de Kundakovic & Champagne (2015), publicado em Neuropsychopharmacology, mostrou que o ambiente gestacional tem efeitos epigenéticos profundos sobre genes que regulam dopamina, serotonina e noradrenalina – todos sistemas diretamente ligados aos sintomas do TDAH.
Isso significa que a gravidez não é determinista, mas sensível: o cuidado com a gestante pode suavizar riscos, proteger trajetórias e fortalecer a resiliência do bebê.
A atuação da psicologia: presença, escuta e prevenção
Frente a essas evidências, o papel da psicologia perinatal é central. O acompanhamento de gestantes com histórico de sofrimento, abandono, excesso de trabalho, transtornos mentais ou condições médicas (como DG ou obesidade) não pode ser apenas clínico: precisa ser vincular.
Programas como os da Rede Umbiguinho oferecem essa escuta através de:
- Atendimento psicológico para gestantes e puérperas
- Grupos de cuidado emocional na gestação
- Oficinas sobre vínculo, sono e regulação emocional do bebê
- Cursos de formação de doulas psicólogas
Esses espaços promovem uma rede de apoio emocional, fundamental para o fortalecimento da saúde mental materna e da função materna inicial.
E quando o bebê nasce? O papel do Projeto Todos Cuidados
Quando há exposição pré-natal a fatores de risco, o acompanhamento no pós-parto precisa ser ainda mais atento. O Projeto Todos Cuidados, do Instituto Suassuna, atua nesse sentido com:
- Avaliação neuropsicológica de bebês e crianças pequenas
- Psicoterapia infantil e orientação parental
- Acompanhamento de mães com sofrimento psíquico no puerpério
- Encaminhamento multiprofissional quando necessário
Esse projeto é uma das primeiras iniciativas no Brasil a integrar psicologia perinatal, saúde pública e prevenção de transtornos do neurodesenvolvimento. Acesse em: https://institutosuassuna.com.br/todos-cuidados
Conclusão: prevenir é cuidar do começo
Falar que o TDAH pode ter origem no útero não é culpar a mãe – é responsabilizar a sociedade pela forma como acolhe (ou negligencia) a gestação.
Como psicólogo e doutor em psicologia e educação, Dr. Danilo Suassuna lembra:
“Nenhuma criança nasce só da biologia. O psiquismo começa a ser tecido no útero, no afeto, na escuta, naquilo que não é medido, mas é vivido.”
Prevenir o TDAH é cuidar das gestantes. E isso começa pela escuta.
Referências
- Van den Bergh B. et al. (2017). Antenatal maternal anxiety and child brain development. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 58(3), 203–211.
- Li M. et al. (2020). Gestational diabetes mellitus and ADHD risk: A meta-analysis. Neurosci Biobehav Rev, 114: 68–75.
- Thapar A. et al. (2013). What causes attention deficit hyperactivity disorder? Arch Dis Child, 98(6): 386–391.
- Boekelheide K. et al. (2020). Nutrients and neurodevelopment. Annual Review of Nutrition, 40: 45–67.
- Cerávolo, K. (2021). Todo Parto Importa. Editora Suassuna.
- Kundakovic M., Champagne FA. (2015). Epigenetic perspective on the development of TDAH. Neuropsychopharmacology, 40(1): 141–153.