Existe relação entre diabetes gestacional e TDAH? O que dizem os estudos científicos?

  • post publicado em 22/05/25 às 11:10 AM
  • Tempo estimado de leitura: 4 minutos

 

Existe relação entre diabetes gestacional e TDAH? O que dizem os estudos científicos?

Introdução

A incidência de diagnósticos de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) aumentou nas últimas décadas, o que despertou o interesse de pesquisadores do mundo todo em investigar os fatores que contribuem para esse fenômeno. Sabe-se que o TDAH tem forte base genética, mas há também evidências consistentes de que fatores ambientais durante a gestação – como a diabetes gestacional (DG) – podem influenciar o risco de desenvolvimento do transtorno.

Este artigo apresenta uma síntese dos estudos científicos mais recentes sobre a relação entre diabetes gestacional e TDAH. Também discutiremos os desafios metodológicos, os mecanismos prováveis e o que tudo isso significa para os profissionais que atuam com mães, bebês e famílias.

O que é o TDAH e por que ele interessa à saúde perinatal?

O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta aproximadamente 5% das crianças e adolescentes em todo o mundo. Caracteriza-se por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que comprometem o desempenho escolar, os vínculos sociais e o bem-estar familiar (APA, 2022).

Nos últimos anos, a pesquisa perinatal passou a investigar como o ambiente intrauterino contribui para alterações estruturais e funcionais no cérebro, lançando luz sobre a origem precoce de muitos transtornos comportamentais. A hipótese é clara: fatores como inflamação materna, glicemia elevada, obesidade, estresse e alterações hormonais na gravidez podem interferir em processos essenciais do desenvolvimento cerebral.

Diabetes gestacional aumenta o risco de TDAH?

Sim. Diversas pesquisas recentes e meta-análises apontam uma associação estatisticamente significativa entre diabetes gestacional e TDAH na infância.

1. Meta-análise internacional (Li et al., 2020)

  • Revisou 9 estudos de coorte e caso-controle.
  • Incluiu mais de 330 mil crianças.
  • Concluiu que a exposição à diabetes gestacional aumentou o risco de TDAH em 31%.
  • O risco foi maior quando combinado com obesidade materna e baixa escolaridade.

“Os dados sugerem que a hiperglicemia gestacional pode prejudicar o desenvolvimento de circuitos corticais relacionados à atenção e à regulação de impulsos.” (Li et al., 2020)

2. Estudo da Edith Cowan University (ECU), Austrália – publicado em ScienceDaily, 2023

  • Avaliou crianças nascidas de mães com DG.
  • Verificou maior frequência de sintomas externalizantes e comportamentos típicos de TDAH já aos 3 anos de idade.
  • Publicado com destaque em veículos de divulgação científica como ScienceDaily e MedicalXpress.

“Crianças de mães com DG mostraram sinais mais precoces e mais graves de desatenção e impulsividade. Os efeitos parecem mais fortes em meninos.” (ECU, 2023)

3. Kaiser Permanente – Califórnia (2022)

  • Coorte populacional com mais de 330 mil nascimentos.
  • Comparou riscos de TDAH entre filhos de mães com diabetes tipo 1, tipo 2 e gestacional.
  • Constatou risco aumentado em todas as formas de diabetes, sendo menor na DG, porém ainda significativo.

O que pode explicar essa associação?

A literatura sugere diversos mecanismos prováveis:

  1. Hiperglicemia e desenvolvimento neurológico

    Altos níveis de glicose no sangue materno passam pela placenta e afetam o cérebro fetal. Isso pode levar a alterações no córtex pré-frontal e nos núcleos da base – regiões essenciais para a atenção e o controle de impulsos.
  2. Inflamação intrauterina crônica

    A DG pode gerar um estado inflamatório persistente, ativando citocinas que interferem no amadurecimento sináptico e na regulação da dopamina (o neurotransmissor mais implicado no TDAH).
  3. Disfunções endócrinas e no eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal)

    A DG altera o ritmo circadiano hormonal e pode gerar desregulações no eixo HPA fetal, afetando a resposta ao estresse e o equilíbrio neuroendócrino.
  4. Epigenética

    Estudos como o de Kundakovic & Champagne (2015) sugerem que a exposição intrauterina a distúrbios metabólicos pode causar alterações epigenéticas permanentes em genes relacionados ao neurodesenvolvimento.

Psicologia perinatal e a importância de olhar para o todo

Autores como Karla Cerávolo, referência nacional na psicologia perinatal e coordenadora do projeto Todo Parto Importa (2021, Editora Suassuna), têm defendido que o cuidado na gestação deve ir muito além da obstetrícia:

“A gestação é um campo de formação do vínculo, do corpo e do psiquismo – cuidar da saúde emocional e metabólica da gestante é cuidar da saúde psíquica do bebê.” (Cerávolo, 2021)

A psicologia perinatal amplia a compreensão dos riscos gestacionais ao incluir também o contexto emocional, social e nutricional da mãe, o que é fundamental quando falamos de diabetes gestacional.

A Rede Umbiguinho, projeto vinculado ao Instituto Suassuna, oferece cursos, oficinas e atendimentos especializados para gestantes e famílias com foco na prevenção de adoecimentos perinatais e na promoção de um desenvolvimento saudável.

Como esses achados impactam a prática profissional?

Para psicólogos, médicos, educadores e doulas, essas descobertas são um convite à revisão dos protocolos de anamnese, triagem e acolhimento perinatal. É essencial perguntar sobre:

  • Histórico de diabetes gestacional
  • Peso ao nascer e idade gestacional
  • Alterações comportamentais precoces
  • Ambiente emocional da gestação e puerpério

Como ressalta o Manual de Acompanhamento Emocional de Gestantes (Editora Suassuna, 2022), da autora Mariana Padilha:

“A história gestacional é uma linha do tempo simbólica que pode explicar muito mais do que apenas dados obstétricos. Ela fala sobre vínculo, sobre medo, sobre os começos.” (Padilha, 2022)

E o tratamento? O projeto Todos Cuidados como caminho

O Projeto Todos Cuidados, desenvolvido pelo Instituto Suassuna, oferece uma abordagem interdisciplinar para avaliação e tratamento precoce de sintomas relacionados ao neurodesenvolvimento, como os do TDAH.

Além disso, o projeto inclui:

  • Triagens com psicólogos e psiquiatras
  • Encaminhamento para avaliação neuropsicológica
  • Acompanhamento para gestantes e puérperas
  • Atendimento psicológico individual a preços acessíveis

Acesse o projeto em: https://institutosuassuna.com.br/todos-cuidados

Conclusão

A associação entre diabetes gestacional e TDAH é uma evidência importante do quanto o cuidado com a gestação precisa ser ampliado, integrado e humanizado. Os dados não devem ser usados para gerar medo ou culpa, mas sim para fundamentar políticas de prevenção, redes de apoio e práticas clínicas baseadas em evidências.

Como psicólogo, doutor e pós-doutor em psicologia, Dr. Danilo Suassuna reforça:

“Não basta identificar os riscos – precisamos construir redes de cuidado que transformem esses dados em oportunidade de intervenção precoce, vínculo e desenvolvimento.”

Referências:

  • Li M. et al. (2020). Gestational diabetes mellitus and risk of ADHD: A meta-analysis. Neurosci Biobehav Rev, 114: 68–75.
  • ScienceDaily (2023). Gestational diabetes linked to ADHD in children. Edith Cowan University.
  • Kaiser Permanente (2022). Moms’ diabetes may influence ADHD risk. kp-scalresearch.org
  • Cerávolo, K. (2021). Todo Parto Importa. Editora Suassuna.
  • Kundakovic, M., & Champagne, F. A. (2015). Epigenetics and neurodevelopment. Neuropsychopharmacology, 40(1), 141–153.
  • Padilha, M. (2022). Manual de Acompanhamento Emocional de Gestantes. Editora Suassuna.

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

Acesse o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8022252527245527