

Existe relação entre diabetes gestacional e TDAH? O que dizem os estudos científicos?
Introdução
A incidência de diagnósticos de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) aumentou nas últimas décadas, o que despertou o interesse de pesquisadores do mundo todo em investigar os fatores que contribuem para esse fenômeno. Sabe-se que o TDAH tem forte base genética, mas há também evidências consistentes de que fatores ambientais durante a gestação – como a diabetes gestacional (DG) – podem influenciar o risco de desenvolvimento do transtorno.
Este artigo apresenta uma síntese dos estudos científicos mais recentes sobre a relação entre diabetes gestacional e TDAH. Também discutiremos os desafios metodológicos, os mecanismos prováveis e o que tudo isso significa para os profissionais que atuam com mães, bebês e famílias.
O que é o TDAH e por que ele interessa à saúde perinatal?
O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta aproximadamente 5% das crianças e adolescentes em todo o mundo. Caracteriza-se por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que comprometem o desempenho escolar, os vínculos sociais e o bem-estar familiar (APA, 2022).
Nos últimos anos, a pesquisa perinatal passou a investigar como o ambiente intrauterino contribui para alterações estruturais e funcionais no cérebro, lançando luz sobre a origem precoce de muitos transtornos comportamentais. A hipótese é clara: fatores como inflamação materna, glicemia elevada, obesidade, estresse e alterações hormonais na gravidez podem interferir em processos essenciais do desenvolvimento cerebral.
Diabetes gestacional aumenta o risco de TDAH?
Sim. Diversas pesquisas recentes e meta-análises apontam uma associação estatisticamente significativa entre diabetes gestacional e TDAH na infância.
1. Meta-análise internacional (Li et al., 2020)
- Revisou 9 estudos de coorte e caso-controle.
- Incluiu mais de 330 mil crianças.
- Concluiu que a exposição à diabetes gestacional aumentou o risco de TDAH em 31%.
- O risco foi maior quando combinado com obesidade materna e baixa escolaridade.
“Os dados sugerem que a hiperglicemia gestacional pode prejudicar o desenvolvimento de circuitos corticais relacionados à atenção e à regulação de impulsos.” (Li et al., 2020)
2. Estudo da Edith Cowan University (ECU), Austrália – publicado em ScienceDaily, 2023
- Avaliou crianças nascidas de mães com DG.
- Verificou maior frequência de sintomas externalizantes e comportamentos típicos de TDAH já aos 3 anos de idade.
- Publicado com destaque em veículos de divulgação científica como ScienceDaily e MedicalXpress.
“Crianças de mães com DG mostraram sinais mais precoces e mais graves de desatenção e impulsividade. Os efeitos parecem mais fortes em meninos.” (ECU, 2023)
3. Kaiser Permanente – Califórnia (2022)
- Coorte populacional com mais de 330 mil nascimentos.
- Comparou riscos de TDAH entre filhos de mães com diabetes tipo 1, tipo 2 e gestacional.
- Constatou risco aumentado em todas as formas de diabetes, sendo menor na DG, porém ainda significativo.
O que pode explicar essa associação?
A literatura sugere diversos mecanismos prováveis:
- Hiperglicemia e desenvolvimento neurológico
Altos níveis de glicose no sangue materno passam pela placenta e afetam o cérebro fetal. Isso pode levar a alterações no córtex pré-frontal e nos núcleos da base – regiões essenciais para a atenção e o controle de impulsos. - Inflamação intrauterina crônica
A DG pode gerar um estado inflamatório persistente, ativando citocinas que interferem no amadurecimento sináptico e na regulação da dopamina (o neurotransmissor mais implicado no TDAH). - Disfunções endócrinas e no eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal)
A DG altera o ritmo circadiano hormonal e pode gerar desregulações no eixo HPA fetal, afetando a resposta ao estresse e o equilíbrio neuroendócrino. - Epigenética
Estudos como o de Kundakovic & Champagne (2015) sugerem que a exposição intrauterina a distúrbios metabólicos pode causar alterações epigenéticas permanentes em genes relacionados ao neurodesenvolvimento.
Psicologia perinatal e a importância de olhar para o todo
Autores como Karla Cerávolo, referência nacional na psicologia perinatal e coordenadora do projeto Todo Parto Importa (2021, Editora Suassuna), têm defendido que o cuidado na gestação deve ir muito além da obstetrícia:
“A gestação é um campo de formação do vínculo, do corpo e do psiquismo – cuidar da saúde emocional e metabólica da gestante é cuidar da saúde psíquica do bebê.” (Cerávolo, 2021)
A psicologia perinatal amplia a compreensão dos riscos gestacionais ao incluir também o contexto emocional, social e nutricional da mãe, o que é fundamental quando falamos de diabetes gestacional.
A Rede Umbiguinho, projeto vinculado ao Instituto Suassuna, oferece cursos, oficinas e atendimentos especializados para gestantes e famílias com foco na prevenção de adoecimentos perinatais e na promoção de um desenvolvimento saudável.
Como esses achados impactam a prática profissional?
Para psicólogos, médicos, educadores e doulas, essas descobertas são um convite à revisão dos protocolos de anamnese, triagem e acolhimento perinatal. É essencial perguntar sobre:
- Histórico de diabetes gestacional
- Peso ao nascer e idade gestacional
- Alterações comportamentais precoces
- Ambiente emocional da gestação e puerpério
Como ressalta o Manual de Acompanhamento Emocional de Gestantes (Editora Suassuna, 2022), da autora Mariana Padilha:
“A história gestacional é uma linha do tempo simbólica que pode explicar muito mais do que apenas dados obstétricos. Ela fala sobre vínculo, sobre medo, sobre os começos.” (Padilha, 2022)
E o tratamento? O projeto Todos Cuidados como caminho
O Projeto Todos Cuidados, desenvolvido pelo Instituto Suassuna, oferece uma abordagem interdisciplinar para avaliação e tratamento precoce de sintomas relacionados ao neurodesenvolvimento, como os do TDAH.
Além disso, o projeto inclui:
- Triagens com psicólogos e psiquiatras
- Encaminhamento para avaliação neuropsicológica
- Acompanhamento para gestantes e puérperas
- Atendimento psicológico individual a preços acessíveis
Acesse o projeto em: https://institutosuassuna.com.br/todos-cuidados
Conclusão
A associação entre diabetes gestacional e TDAH é uma evidência importante do quanto o cuidado com a gestação precisa ser ampliado, integrado e humanizado. Os dados não devem ser usados para gerar medo ou culpa, mas sim para fundamentar políticas de prevenção, redes de apoio e práticas clínicas baseadas em evidências.
Como psicólogo, doutor e pós-doutor em psicologia, Dr. Danilo Suassuna reforça:
“Não basta identificar os riscos – precisamos construir redes de cuidado que transformem esses dados em oportunidade de intervenção precoce, vínculo e desenvolvimento.”
Referências:
- Li M. et al. (2020). Gestational diabetes mellitus and risk of ADHD: A meta-analysis. Neurosci Biobehav Rev, 114: 68–75.
- ScienceDaily (2023). Gestational diabetes linked to ADHD in children. Edith Cowan University.
- Kaiser Permanente (2022). Moms’ diabetes may influence ADHD risk. kp-scalresearch.org
- Cerávolo, K. (2021). Todo Parto Importa. Editora Suassuna.
- Kundakovic, M., & Champagne, F. A. (2015). Epigenetics and neurodevelopment. Neuropsychopharmacology, 40(1), 141–153.
- Padilha, M. (2022). Manual de Acompanhamento Emocional de Gestantes. Editora Suassuna.