É bom ser paciente de vez em quando

  • 30 mar

Estou sentado no sofá do apartamento do Hospital Unique, lendo um ótimo livro sobre montanhas. Aguardo ser chamado para o centro cirúrgico. Chega a pulseirinha de identificação, e logo depois o anestesista. Sobriamente ele explica o procedimento e depois conversamos amenidades, pois somos amigos.

Vou andando até a porta da sala e aí deito na maca. Ver o teto e o movimento dos médicos e enfermeiras pelo corredor até chegar a minha sala é insólito. A maioria não sabe que estou ali. Gosto dessa discrição. O teto é limpinho. A enfermeira circulante faz um carinho no meu antebraço e punciona a veia calibrosa de nadador. Mesmo assim dói. Pouco, mas incomoda. Nada digo.

Meu médico chega com a sua serenidade habitual e passa a confiança mais profunda que necessito. Reitera que tudo vai dar certo. Eu agradeço. Nossa ! Como sou grato por ter tanta gente competente e dedicada ao meu redor. Em segundos, apago.

Há algum tempo tenho que fazer uma cirurgia, neste ano, como desde os quarenta eu o faço, consulto com meu cardiologista, urologista e oftalmologista. Além da dentista. Prevenção. Nada demais. Mas desta feita fui ao cirurgião geral e ele não só me convenceu a operar como recomendou relativa urgência. Obedeci. Neste momento vi que ser médico é fonte maior ainda de dúvidas e questionamentos. O segredo é a humildade: aceitar e confiar.

Os exames complementares, acordar um pouco mais tarde para realizá-los – já que acordo as cinco da madrugada e o laboratório só abre as seis – aguardar a sua vez. Perceber o mau humor da atendente e o mecanicismo do trabalho ( imagino ela daqui a quatro horas, como deva estar ) e fico chateado. Não por mim, que quando vou fazer algo que concerne a minha saúde reservo tempo e espaço para isto, mas pelos demais pacientes que sempre estão ansiosos, apressados, tensos.

Um bom dia, por favor, com licença e muito obrigado são as portas universais da boa educação. Do trato humano. Repito isso incessantemente para mim mesmo todos os dias. Não vi isso. Uma pena. Fotografei os resultados e os enviei para os respectivos profissionais e em separado mandei um curto texto perguntando sobre novas orientações. Nunca enviei um áudio na vida e nem o farei. Sei como é péssimo ter que ouvir várias vezes a mesma coisa e nem sempre podemos fazê-lo.

Fui respondido dentro dos limites de cada um. O clínico quase que prontamente, o cirurgião ao final do dia. A dentista, na hora do almoço. Nos exames de imagem explicaram os procedimentos com leveza e solicitude. Adorei. Também disseram o prazo da entrega dos resultados e como poderia recebê-los e passar para o médico responsável. Senti-me acolhido.

Os deslocamentos são grandes e nem sempre os profissionais que nos atendem estão próximos onde realizamos os exames complementares. Não sugeri exame algum excedente, nem li no “Dr Google” algo sobre meu problema e as alterações encontradas. Não discuti absolutamente nada. Apenas pedi para operar na sexta à tarde, pois poderia atender minhas gestantes pela manhã. Com o Carnaval – e nenhum parto à vista – teria tempo para recuperar e descansar.
Assim foi feito. Uma dor suportável, nenhuma intercorrência. Aproveitei para ler e estudar e também para ficar mais tempo em casa e ver como é bonito a luz entrando pelas janelas de manhã e a insolação de cada planta (até mudei algumas de lugar) e vai e vem noturno dos felinos.

Para alguém que nada cinco vezes por semana, trabalha dez horas por dia e lê, e escreve e tenta ajudar a todos que pode, esse interregno é salutar. Serve para refletir. Para agradecer mais e mais a todos que me ajudaram. A paciência dos meus familiares, a preocupação dos amigos. A maioria das pessoas eu poupei de informar. Estou operado, passo bem e já voltei a trabalhar. Ser paciente me enche de humildade e faz com que eu me esforce ainda mais para ser um bom médico.

JB Alencastro

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