“Corpo, Emoção e Neurodesenvolvimento: Os Riscos Silenciosos da Gestação”

  • post publicado em 22/05/25 às 11:11 AM
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“Corpo, Emoção e Neurodesenvolvimento: Os Riscos Silenciosos da Gestação”

Não estamos falando apenas de corpos, mas de vínculos

A gravidez é mais do que uma transformação biológica. É também uma reorganização emocional, um mergulho em memórias, uma travessia cheia de expectativas e ansiedades. Quando falamos sobre fatores de risco na gestação, como obesidade, estresse e ganho de peso excessivo, não estamos apenas descrevendo dados biomédicos – estamos também nomeando marcas afetivas, histórias familiares e modos de estar no mundo que afetam diretamente a relação entre mãe e bebê.

Na psicologia perinatal, como ensina Karla Cerávolo (2021), o corpo da gestante é um campo psíquico: nele se entrelaçam o desejo, a angústia, o cuidado e a ausência. Por isso, quando olhamos para as condições que aumentam o risco de transtornos como o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), precisamos abrir o escopo. A obesidade gestacional, o estresse crônico e o ganho de peso não são apenas indicadores metabólicos – são, muitas vezes, expressões da forma como essa mulher está (ou não) sendo cuidada em sua gravidez.

Obesidade materna e ganho de peso excessivo: mais do que números na balança

Estudos recentes apontam que a obesidade pré-gestacional e o ganho de peso acima do recomendado durante a gravidez estão associados a um risco significativamente aumentado de TDAH na infância. Uma revisão sistemática de Sanchez et al. (2022) revelou que mães com IMC elevado antes da concepção têm filhos com risco aumentado de desenvolver sintomas de desatenção e impulsividade, mesmo quando não há diabetes gestacional envolvida.

Esse risco se torna ainda mais pronunciado quando a obesidade se combina à diabetes gestacional, formando o que os autores chamam de “dupla carga metabólica” (Li et al., 2020). Nessas situações, o risco de TDAH pode ser mais do que o dobro em relação à população geral.

Mas o que isso diz sobre o bebê? E mais: o que isso diz sobre a mãe?

Na psicologia perinatal, entendemos que o excesso de peso durante a gravidez muitas vezes reflete uma tentativa psíquica de proteção – de criar uma “couraça corporal” frente a situações de desamparo, abandono ou medo. Como escreve Virginia Suassuna em sua obra Supervisão em Gestalt-terapia: o cuidado como figura (2022, Editora Suassuna), “há corpos que crescem como se quisessem gritar: me olhe! me proteja! me acolha!”.

Estresse na gestação: o invisível que também pesa

Se o ganho de peso pode ser medido, o estresse materno muitas vezes passa despercebido – mas é igualmente poderoso. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece o estresse gestacional crônico como um dos principais fatores de risco para problemas no neurodesenvolvimento infantil.

Estudos longitudinais mostram que mulheres submetidas a estresse intenso durante a gravidez – seja por situações financeiras, violência obstétrica, abandono afetivo ou jornadas exaustivas de trabalho – tendem a ter filhos com maior vulnerabilidade para:

  • TDAH
  • Transtornos de ansiedade
  • Dificuldades de regulação emocional
  • Atrasos na linguagem

O estudo de Van den Bergh et al. (2017), por exemplo, mostrou que níveis elevados de cortisol materno no segundo trimestre estão associados à alteração na conectividade entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico do feto, o que pode prejudicar a regulação de atenção e impulsos mais tarde.

A psicóloga Mariana Padilha (2022), em seu livro Manual de Acompanhamento Emocional de Gestantes (Editora Suassuna), ressalta:

“A gestação estressada é uma gestação empobrecida de presença. A mulher pode estar grávida no corpo, mas não no vínculo. E isso o bebê sente, mesmo sem palavras.”

O que o bebê sente? A memória do corpo intrauterino

Na psicologia do desenvolvimento e nas abordagens que estudam a memória implícita intrauterina, como a psicanálise relacional e a psicologia perinatal contemporânea, já se reconhece que o bebê é sensível ao ambiente emocional da mãe desde muito cedo.

A noção de ambiente suficientemente bom, proposta por Donald Winnicott, nos lembra que a função materna começa antes do nascimento – e é constituída por gestos invisíveis como o tom de voz, a respiração, o afeto com que se toca a barriga.

Quando o corpo da mãe está em sofrimento – seja por sobrepeso, alimentação desregulada, medo constante ou insônia crônica –, isso não é “neutro” para o bebê. A ciência já comprovou que alterações hormonais e metabólicas na gestante afetam a neurogênese, a mielinização e a conectividade sináptica do feto (Buss et al., 2012).

O cuidado psicológico como prevenção: acolher para não adoecer

A boa notícia é que o cuidado psicológico na gestação tem efeito preventivo comprovado. Diversos estudos mostram que intervenções simples – como psicoterapia breve, grupos de escuta e orientação perinatal – reduzem significativamente os níveis de estresse, ansiedade e depressão, e contribuem para gestações mais saudáveis e bebês mais regulados emocionalmente.

Na Rede Umbiguinho, coordenada pelo Instituto Suassuna, essas práticas já são realidade. Cursos como o Treinamento para Pais, o Oficina do Brincar e os Grupos de Acolhimento para Gestantes têm como foco o fortalecimento do vínculo mãe-bebê e a criação de um ambiente emocional seguro desde a gestação.

E se já houver risco? O Projeto Todos Cuidados

Se a gestante já foi diagnosticada com obesidade, diabetes ou apresenta sofrimento psíquico, o acompanhamento precoce da criança após o nascimento é essencial.

O Projeto Todos Cuidados, do Instituto Suassuna, oferece:

  • Triagem especializada com psicólogos perinatais
  • Encaminhamento para avaliação neuropsicológica
  • Acompanhamento de bebês com risco para TDAH e dificuldades emocionais
  • Apoio terapêutico para mães no puerpério

Essa rede de apoio permite que muitos diagnósticos sejam evitados ou que, quando inevitáveis, sejam acolhidos com cuidado, vínculo e dignidade.

Acesse: https://institutosuassuna.com.br/todos-cuidados

Conclusão: cuidar da mãe é cuidar do bebê

Obesidade, estresse e ganho de peso não são apenas dados médicos. São também expressões psíquicas que falam de uma mulher que precisa ser escutada, acolhida, acompanhada.

A psicologia perinatal, os projetos como o Todos Cuidados e a literatura de autoras como Karla Cerávolo, Virginia Suassuna e Mariana Padilha nos mostram que a prevenção do TDAH não começa no diagnóstico, mas no vínculo.

Como lembra o psicólogo e pós-doutor Danilo Suassuna:

“Quando cuidamos da gestação como um território de escuta e vínculo, estamos plantando as raízes de uma infância mais regulada, mais atenta, mais afetuosa.”

Referências

  • Cerávolo, K. (2021). Todo Parto Importa. Editora Suassuna.
  • Suassuna, V. & Suassuna, D. (2022). Supervisão em Gestalt-terapia: o cuidado como figura. Editora Suassuna.
  • Padilha, M. (2022). Manual de Acompanhamento Emocional de Gestantes. Editora Suassuna.
  • Li M. et al. (2020). Gestational diabetes mellitus and ADHD risk. Neurosci Biobehav Rev, 114: 68–75.
  • Sanchez C. et al. (2022). Maternal obesity and offspring ADHD: A review. Child Development Perspectives, 16(3), 201–210.
  • Van den Bergh B. et al. (2017). Antenatal maternal anxiety and child brain development. J Child Psychol Psychiatry, 58(3), 203–211.
  • Buss, C. et al. (2012). Maternal cortisol over the course of pregnancy and child amygdala and hippocampus volumes. PNAS, 109(20), E1312–E1319.

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

Acesse o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8022252527245527