Cor de pele. Brincadeira ou preconceito?

  • 23 fev

Ainda me lembro de uma criança que atendi no meu consultório, cuja queixa era de que não queria mostrar a própria cor. Assim, mesmo debaixo de 40graus usava roupas de mangas compridas por temer as brincadeiras de mau gosto.

De início disse que não gostava de ir para a escola, depois afirmou que os professores não gostavam dela, e, finalmente confessou sobre o bullying que estava sofrendo.

Brincadeira ou preconceito? O preconceito aparece como um modo de relacionar-se com “o outro” a partir da negação ou desvalorização da identidade de alguém e da supervalorização ou afirmação da própria identificação.

As crianças estão construindo e vivenciando o preconceito racial em suas relações sociais, incluindo família e escola, aprendendo a noção de que diferenças corporais em aparência assinalam diferenças em potencial e valor que, por sua vez, legitima injuriosas distinções entre raças.

Assim por meio de disfarces como gozações e xingamentos, tidos como brincadeiras as crianças começam a atribuir características negativas a algum grupo racial mesmo que impensadamente, no sentido de inferiorizá-lo.

Algumas falas de crianças revelam a existência de atitudes negativas em relação à cor da pele. É comum se ouvir alguns estereótipos como: “preto é feio, preto parece “diabo”, lembra “ladrão”, é igual “carvão”, parece “macaco”.

Esse tipo de “brincadeira” característica da socialização infantil ao ser considerada “coisa” de criança pelos adultos torna-se, um eficiente mecanismo social de aquisição, consolidação e objetivação de preconceitos. Quando se pergunta para a criança porque ela ou ele xingou ou gozou um colega ela ou ele afirmam ser apenas uma brincadeira.

Essa violência, muitas vezes, mascarada, quase sempre impune, é considerada menos grave, porque não traz consequências visíveis no corpo. Entretanto, os danos geralmente psicológicos e/ou morais atingem a autoestima da criança.

Mas qual é a origem disso tudo? As crianças adquirem consciência das diferenças raciais, em média, dos três aos cinco anos, e, com o tempo, passam a atribuir julgamentos aos diferentes grupos, com base na observação do meio em que vivem.

Muitas vezes a atitude preconceituosa encontra-se dentro de casa. Quando uma criança de três, quatro anos diz que a babá é preta e feia, ela também quer ver a reação dos pais e da própria babá. É um teste de limites, uma busca para saber o que é certo e errado.

Outras vezes, sem perceber, quando a mãe aperta a mão a criança ao se deparar com um negro atravessando a rua, pode estar passando para a filha sinais de discriminação. Outras vezes, ao se encontrarem com uma pessoa branca e outra negra, geralmente os pais beijam a primeira e não a segunda. Atitudes como essas são suficientes para que a criança capte os sinais não verbais de discriminação.

Nada passa despercebido pela criança, mesmo a influência da mídia.  Geralmente as bonecas mais badaladas e as princesas dos contos de fada são loiras e de olhos azuis. A ênfase dada pelas crianças ao aspecto estético, distinguindo entre o que é feio e o que é bonito, já sugere o desenvolvimento do preconceito racial visual. Desde muito cedo a criança aprende, por exemplo, que cabelo liso é que é cabelo bonito e esse padrão é reforçado, uma vez que, parecem ser raros, senão inexistentes, elogios ao cabelo crespo durante a infância.

Por outro lado, sabe-se que as brincadeiras e as brigas são fenômenos particularmente importantes da socialização das crianças e que ocorrem na escola de diversas formas. Assim, mesmo que os pais não sejam, ou não se vejam como- preconceituosos, seus filhos podem surpreendê-los com ofensas e xingamentos a alguém que apresente alguma diferença.

O que fazer, portanto para ajudar seu filho a conviver com as diferenças?

A omissão é pior ingrediente que se pode assumir e pode reforçar os preconceitos.

É preciso estar muito atento porque, muitas vezes, os xingamentos são velados e acontecem longe dos olhos dos pais e educadores. Assim se por acaso seu filho for acusado de praticar a discriminação, procure investigar os fatos, pois você pode estar reforçando a “mentira” dentro de sua própria casa. Compreenda o significado de sua atitude.

Compreender não quer dizer deixar para lá, mas acolher os sentimentos e ensinar a criança a pensar sobre aquilo. E, que fique claro: mandar pedir desculpas nunca é demais. Por detrás da brincadeira pode existir um grande preconceito.

Por outro lado, se por acaso o seu filho for a vítima, preste atenção no que ele relata. Diante de uma intimidação, ele pode se calar. Fiquem atentos a alterações emocionais e de comportamento.

Enfim, utilize o acontecimento discriminatório como um campo propício e básico para a formação e desenvolvimento de aceitação social. Ajude o seu filho a discriminar entre brincadeira e preconceito. Mas para isso, reveja os seus próprios valores.

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Autor: Virginia Suassuna

ig do autor: @virginiasuassuna

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