

Uso do álcool e outras drogas: reflexões e 5 dicas práticas para psicólogos atuantes
Introdução
O consumo de álcool e outras drogas acompanha a humanidade há séculos, mas na contemporaneidade adquiriu contornos singulares. O ritmo acelerado da vida moderna, as pressões sociais e a busca incessante por desempenho fazem com que substâncias psicoativas sejam usadas não apenas como recreação, mas como estratégias de sobrevivência emocional. Para o psicólogo clínico, compreender esse fenômeno é um dos maiores desafios da prática atual.
O livro Gestalt-Terapia sobre o uso do álcool e outras drogas: Estudos e Reflexões sobre as Adicções na Contemporaneidade (Juruá Editora), organizado por Gabriel da Silva, José Ricardo da Silva e Weílison de Lima Sousa, surge como leitura indispensável para quem deseja aprofundar o olhar sobre as adicções a partir da Gestalt-terapia. Ao reunir reflexões teóricas, estudos de caso e análises críticas, a obra demonstra que o sofrimento relacionado ao uso de substâncias precisa ser visto como um fenômeno de campo — atravessado por dimensões sociais, relacionais e subjetivas.
Este artigo une duas propostas: apresentar uma reflexão ampliada sobre os principais temas do livro e, em seguida, oferecer 5 dicas práticas para psicólogos que atuam com pessoas em uso de álcool e outras drogas. O objetivo é simples: inspirar uma prática clínica mais ética, criativa e comprometida com a vida.
1. O fenômeno das adicções na contemporaneidade
Vivemos em uma sociedade que naturaliza o consumo de substâncias ao mesmo tempo em que estigmatiza quem sofre com ele. O álcool é celebrado em festas, rituais religiosos e encontros familiares; está presente em propagandas e até em contextos esportivos. Outras drogas, lícitas ou ilícitas, circulam em diferentes camadas sociais: ansiolíticos, antidepressivos e estimulantes são cada vez mais usados como reguladores da vida cotidiana.
O problema surge quando o uso deixa de ser escolha e passa a ser compulsão. Nesse ponto, não falamos apenas de dependência química, mas de um sofrimento que envolve solidão, exclusão social, desemprego, vulnerabilidade, violência doméstica e até ausência de sentido existencial.
A Gestalt-terapia propõe que olhemos para esse fenômeno a partir do conceito de campo. A adicção não está apenas “dentro” do indivíduo, mas emerge na relação organismo–ambiente. Perguntar “o que leva essa pessoa a usar?” é insuficiente. Precisamos perguntar: “Para quê esse uso serve neste campo?” Essa mudança de perspectiva abre espaço para intervenções mais humanas e menos moralizantes.
2. Adicção como ajustamento criativo
Um dos pontos mais relevantes da obra é a compreensão da adicção como ajustamento criativo. Na Gestalt-terapia, ajustamento criativo é a forma como o organismo responde às demandas do ambiente para manter seu equilíbrio. Quando os recursos disponíveis são escassos ou insuficientes, a substância pode se tornar a solução encontrada — ainda que traga consequências negativas.
Por exemplo: uma pessoa que cresceu em um ambiente violento pode recorrer ao álcool para anestesiar a dor emocional; um adolescente pode usar drogas para sentir-se incluído em um grupo; um trabalhador exausto pode depender de estimulantes para cumprir as demandas profissionais.
Ao entender o uso como resposta criativa, o psicólogo deixa de ver o cliente como “fracassado” ou “sem força de vontade” e passa a enxergá-lo como alguém que encontrou um recurso de sobrevivência. A tarefa clínica, então, é ajudar o cliente a descobrir novos modos de ajustar-se que não dependam exclusivamente da substância.
3. A clínica gestáltica frente ao uso de álcool e drogas
A clínica das adicções é desafiadora. Muitos clientes chegam ao consultório sem motivação para mudar, outros abandonam o processo após algumas sessões, e recaídas são frequentes. A Gestalt-terapia, porém, oferece recursos valiosos para sustentar o trabalho mesmo diante dessas dificuldades.
Diferente de abordagens centradas apenas na abstinência, a Gestalt-terapia valoriza o contato autêntico. O terapeuta não se coloca como juiz, mas como presença disponível. Através do desenvolvimento da awareness, o cliente pode reconhecer seus padrões de comportamento, suas necessidades reais e os efeitos do uso em sua vida.
Esse processo inclui:
- Escuta sem julgamento: reconhecer a dor e o recurso que o uso representa.
- Exploração do aqui-agora: perceber como o corpo, a emoção e o pensamento se organizam durante a sessão.
- Construção de responsabilização: ajudar o cliente a assumir escolhas sem impor soluções externas.
- Apoio ao auto-suporte: favorecer que a pessoa descubra recursos internos e externos além da substância.
A clínica gestáltica não promete soluções mágicas. Ela oferece um espaço de encontro e de possibilidade, onde o cliente pode experimentar novas formas de estar no mundo.
4. Família, vínculos e redes de apoio
Nenhum sofrimento relacionado ao uso de drogas é apenas individual. Ele sempre afeta e é afetado pela rede de vínculos em que a pessoa está inserida. Famílias muitas vezes oscilam entre controle rígido e abandono, parceiros vivem em sofrimento, filhos experimentam a ausência e a desorganização.
O livro ressalta que é impossível cuidar da pessoa em uso abusivo sem olhar para seu campo relacional. Isso pode significar envolver familiares em sessões, orientar escolas, dialogar com serviços de saúde e fortalecer redes comunitárias.
Na Gestalt-terapia, dizemos que o campo precisa ser reorganizado para que o sujeito possa se reorganizar. Se o ambiente continua hostil, a substância seguirá cumprindo sua função.
5. Ética e política nas adicções
A clínica com álcool e drogas é, inevitavelmente, ética e política. No Brasil, políticas públicas de saúde mental enfrentam cortes, serviços de atenção psicossocial são insuficientes e, muitas vezes, o encarceramento é a resposta social ao uso de drogas.
O psicólogo não pode se limitar ao consultório. É preciso reconhecer que cada cliente está inserido em uma realidade social e que nossas práticas clínicas também são atos políticos. A Gestalt-terapia nos convida a sustentar um trabalho que respeite a dignidade humana, que não reduza a pessoa à substância e que contribua para a construção de políticas mais inclusivas e justas.
6. O papel do psicólogo atuante
Ser psicólogo nesse campo é aceitar um desafio de presença. A recaída, a resistência e a desesperança fazem parte do processo. O psicólogo precisa ser alguém que não desiste do cliente, mas que também não assume uma posição de salvador.
Trata-se de um equilíbrio delicado: sustentar o contato, acreditar na possibilidade de mudança, mas respeitar o ritmo e a escolha do cliente. O psicólogo atuante não é aquele que aplica técnicas prontas, mas o que se compromete com uma prática viva, criativa e ética.
5 dicas para psicólogos que atendem pessoas em uso de álcool e outras drogas
Até aqui falamos sobre reflexões teóricas e clínicas. Agora, transformamos esse conteúdo em 5 dicas práticas, para que psicólogos possam aplicá-lo em sua atuação.
1. Veja a adicção como ajustamento criativo
Pergunte-se: “Para quê esse uso serve na vida do cliente?” Esse olhar amplia a compreensão e evita a culpabilização.
2. Abandone a postura moralizante
Acolha sem julgar. A presença não julgadora é o maior recurso terapêutico.
3. Envolva família e redes de apoio
A mudança não acontece sozinho. Sempre que possível, trabalhe com o campo relacional.
4. Trabalhe as recaídas como parte do processo
Recaídas não são fracassos, mas oportunidades de awareness.
5. Seja presença autêntica e consistente
Mais do que convencer, esteja disponível para caminhar junto.
Conclusão: leitura que inspira, formação que transforma
O livro Gestalt-Terapia sobre o uso do álcool e outras drogas é leitura fundamental para todo psicólogo que deseja compreender as adicções com profundidade. Ele mostra que o uso de substâncias não pode ser reduzido a diagnósticos, mas precisa ser visto como um fenômeno relacional, ético e existencial.
E se a leitura é o primeiro passo, o segundo é investir em sua formação e também em projetos que ampliam a atuação da psicologia na sociedade.
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