

Uso do álcool e outras drogas: reflexões clínicas
Falar sobre o uso de álcool e outras drogas é abrir uma janela para algumas das maiores complexidades da vida humana na contemporaneidade. Trata-se de um tema que atravessa famílias, escolas, comunidades, políticas públicas, consultórios e, sobretudo, histórias de pessoas singulares. O consumo de substâncias psicoativas não pode ser reduzido a uma questão moral, tampouco a um simples “desequilíbrio químico”. Ele precisa ser compreendido como um fenômeno multidimensional, que envolve sofrimento psíquico, busca de sentido, formas de ajustamento e modos de existir.
É exatamente essa a proposta do livro “Gestalt-Terapia sobre o uso do álcool e outras drogas: Estudos e Reflexões sobre as Adicções na Contemporaneidade” (Juruá Editora), organizado por Gabriel da Silva, José Ricardo da Silva e Weílison de Lima Sousa. A obra reúne contribuições valiosas de diferentes autores que pensam a clínica das adicções sob o prisma da Gestalt-terapia, oferecendo reflexões teóricas, relatos clínicos e análises críticas sobre como lidar, de forma ética e humana, com esse desafio.
Neste artigo, vamos mergulhar nos principais temas do livro, trazendo também um olhar ampliado sobre a clínica gestáltica em contextos de uso de substâncias, e mostrando por que essa leitura é indispensável para psicólogos e psicólogas que querem se tornar profissionais atuantes no cuidado com pessoas em sofrimento relacionado ao álcool e outras drogas.
1. O fenômeno das adicções na contemporaneidade
O ponto de partida do livro é a compreensão de que o uso abusivo de substâncias é um fenômeno enraizado na cultura atual. Vivemos em uma sociedade marcada pela aceleração, pela busca incessante por performance, pelo consumo como forma de prazer e também de anestesia. O álcool, por exemplo, ocupa lugar central em celebrações, encontros sociais e até mesmo em momentos de luto e tristeza. Outras drogas, lícitas ou ilícitas, aparecem como recursos para lidar com o cansaço, a solidão, a pressão social, a exclusão ou a falta de sentido.
Do ponto de vista gestáltico, é impossível compreender o fenômeno das adicções sem considerar o campo relacional. Não existe “dependência química” isolada; o que existe é um sujeito em contato com um mundo que, muitas vezes, oferece a substância como forma de sobrevivência, pertencimento ou alívio.
Esse olhar evita a moralização e desloca o foco do “erro individual” para a compreensão do campo. Perguntas como “o que leva este sujeito a buscar a substância?”, “qual função ela cumpre em sua vida?” ou “que apoio o campo não está oferecendo?” são centrais para uma clínica que não se limita a impor abstinência, mas busca ampliar possibilidades de contato.
2. Adicção como ajustamento criativo
Uma das contribuições mais originais do livro é pensar a adicção como ajustamento criativo. Na Gestalt-terapia, ajustamento criativo é o modo como o organismo responde às demandas do ambiente para manter seu equilíbrio e sobrevivência. Quando não há outros recursos disponíveis, a droga pode se tornar a solução encontrada — ainda que traga altos custos.
Isso não significa romantizar o uso ou negar seus riscos, mas compreender que, para aquela pessoa, a substância cumpre uma função vital: anestesiar a dor, proporcionar pertencimento, criar uma sensação de controle ou até mesmo viabilizar momentos de prazer. O desafio da clínica é abrir espaço para novos ajustamentos, oferecendo alternativas que ampliem a liberdade do sujeito diante de seu campo.
Nesse sentido, a Gestalt-terapia se afasta da visão reducionista de que a dependência é apenas um transtorno cerebral. Ela convida o psicólogo a ver o sujeito em sua totalidade, incluindo corpo, emoção, história, vínculos e cultura.
3. A clínica gestáltica no cuidado com usuários de álcool e drogas
Atuar clinicamente com pessoas que fazem uso problemático de álcool e drogas é um desafio. Muitos chegam ao consultório trazidos pela família, pelo trabalho ou até pela justiça, e não necessariamente motivados por desejo próprio de mudança. Outros alternam períodos de abstinência e recaída, gerando frustração para si e para os que os cercam.
A clínica gestáltica propõe um caminho diferente: em vez de centrar-se no controle ou na proibição, busca estabelecer contato autêntico. O terapeuta se coloca presente, disponível, sem moralizar ou infantilizar o cliente. O foco está em ampliar a awareness, ou seja, a consciência do aqui-agora, ajudando a pessoa a perceber suas escolhas, suas necessidades reais e os efeitos de seus comportamentos.
Esse processo pode incluir momentos de silêncio, de acolhimento da raiva, de escuta da dor, de resgate da história familiar, de reconexão com desejos esquecidos. A clínica, nesse sentido, não se limita à “cura da dependência”, mas se torna espaço de reconstrução de si.
4. Família, vínculos e redes de apoio
Outro aspecto fundamental abordado pelo livro é a importância das relações familiares e comunitárias. O uso problemático de substâncias quase sempre tem impacto coletivo: pais que sofrem, filhos que adoecem, casais que se desestruturam, comunidades que se fragilizam.
A Gestalt-terapia entende que não há como cuidar da pessoa usuária de drogas sem olhar para o campo em que ela está inserida. Isso pode significar envolver familiares na terapia, trabalhar em conjunto com escolas, instituições de saúde e políticas públicas, ou até mesmo atuar em grupos terapêuticos.
Para o psicólogo, essa visão amplia a responsabilidade: não basta atender o indivíduo isolado; é preciso atuar de forma ecológica, considerando todos os elementos do campo.
5. Ética e política no trabalho com adicções
A clínica com álcool e drogas não é apenas técnica, mas também ética e política. Em um país onde políticas públicas para saúde mental sofrem constantes cortes, onde populações vulneráveis são estigmatizadas e onde o encarceramento é muitas vezes a resposta social, o psicólogo precisa refletir sobre seu papel.
O livro enfatiza que a Gestalt-terapia pode contribuir para uma prática clínica mais inclusiva, ética e comprometida com a vida. Isso implica escutar sem julgamento, respeitar os limites do cliente, reconhecer sua autonomia e, ao mesmo tempo, engajar-se em lutas sociais que favoreçam políticas mais humanas para o cuidado com adicções.
6. O papel do psicólogo atuante
O psicólogo que atua no campo das adicções precisa ser mais do que um aplicador de técnicas. Precisa ser presença autêntica, alguém capaz de sustentar o contato mesmo diante da recaída, da resistência ou da desesperança.
Isso exige não só conhecimento teórico, mas também supervisão, formação contínua e abertura para rever suas próprias crenças sobre drogas, moralidade e sofrimento. O livro, nesse sentido, não é apenas uma coletânea de textos, mas um convite ao exercício da presença clínica.
7. Para quem este livro é indispensável?
- Psicólogos clínicos que atuam em consultórios e encontram cada vez mais clientes atravessados pelo uso de álcool e drogas.
- Profissionais que trabalham em CAPS-AD, comunidades terapêuticas ou serviços de saúde mental.
- Estudantes de psicologia que desejam ampliar seu repertório teórico e prático sobre a clínica gestáltica em adicções.
- Educadores, assistentes sociais e profissionais da saúde que convivem diariamente com as consequências do uso abusivo de substâncias.
8. Um livro, muitas práticas possíveis
A riqueza do livro está em mostrar que não existe um único caminho para a clínica das adicções. Há múltiplas possibilidades, todas atravessadas pelo princípio gestáltico de que a vida está no contato. Seja em sessões individuais, grupos, trabalhos comunitários ou políticas públicas, o psicólogo pode atuar de forma criativa, ética e potente.
Conclusão: leitura que inspira, formação que transforma
O livro “Gestalt-Terapia sobre o uso do álcool e outras drogas” é leitura indispensável para quem deseja compreender as adicções em sua complexidade e atuar de forma mais humana e ética na clínica. Ele mostra que o desafio das drogas não é apenas médico ou jurídico, mas profundamente relacional, e que o psicólogo pode ser figura-chave na construção de novos horizontes para quem sofre.
E se a leitura é o primeiro passo, o segundo é investir em uma formação sólida que sustente essa prática. Por isso, convidamos você a conhecer a Pós-Graduação em Psicologia Clínica: Abordagem Gestáltica Ampliada, do Instituto Suassuna.
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