The White Lotus satiriza a hipocrisia e a fragilidade presente nas relações de poder.

  • 18 jan

Há lugar para o certo e o errado quando se é (ou acredita-se ser) vítima da exploração de outras pessoas?

É o que Mike White, criador, diretor e roteirista de todos os episódios de “The White Lotus” (HBO Max), aborda nas duas temporadas da série antológica lançadas até então. Desde o primeiro episódio de ambas, White nem nos dá o benefício da dúvida: para todos os personagens hospedados no hotel The White Lotus que dá nome à série, a tônica de suas relações é o PODER – tanto entre hóspedes e funcionários quanto dentro de cada grupo.

Particularmente, me chama a atenção na primeira temporada as amigas Olivia e Paula. Ao passo em que pregam a justiça social e o politicamente correto sem serem capazes de uma gentileza sequer e transformando num inferno a vida de todos ao redor, têm sua própria relação abalada quando uma delas se interessa por um funcionário do hotel que é descendente dos povos explorados da região. Tal mudança do status quo entre as duas revela uma relação vertical que serve mais aos interesses de uma em detrimento de outra – e White não se contém em expor a hipocrisia tanto desta quanto de várias outras relações presentes na trama.

Na segunda temporada, vemos o casal Ethan e Harper – frios e desconfortáveis com a própria frieza – tendo a sua insipidez confrontada pela paixão desinibida dos amigos Cameron e Daphne. Harper acredita que se trata apenas de uma fachada, pois casal nenhum é tão feliz assim. Ethan, amigo de faculdade de Cameron e que acabou de ficar riquíssimo vendendo um programa de computador, desconfia que o amigo lhe chamou para a viagem com intenções de aliciá-lo a investir seu dinheiro em sua própria firma.

Logo, em “The White Lotus” não veremos personagens lidando com conflitos existenciais que lhes conduzirão à maturidade e superação de seus próprios limites. Somos, na verdade, testemunhas de jogos mesquinhos e tremendamente velados em que todos – quase sem exceção – percebem-se como vítimas ou experimentos dos desejos e crimes alheios e, por isso, justificados a lutarem com as mesmas armas (ou piores).

Não há princípios morais quando se está na base da cadeia alimentar (quer realmente esteja, quer apenas acredite que se esteja). Mas nem é preocupação ou pesar que Mike White procura despertar no espectador com essa constatação. Somos como que acompanhantes de um reality show em que nos deliciamos voyeristicamente com a pequeneza e os pequenos infernos que os personagens provocam entre si. E se estamos ali nos divertindo às custas das desventuras dessas pessoas, talvez não sejamos tão diferentes delas.

Pedro Paulo Coelho (@pedropaulocoelhoo)
Psicólogo, Gestalt-terapeuta, palestrante e gago incurável.

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