

Sonhos na Gestalt-terapia: Um Caminho para a Autoconsciência
Os sonhos sempre foram um tema de grande interesse na psicoterapia. Diferentes abordagens psicológicas, como a psicanálise e a terapia cognitivo-comportamental, desenvolveram métodos distintos para compreendê-los. No entanto, a Gestalt-terapia apresenta uma perspectiva única sobre os sonhos, enfatizando sua vivência no presente e seu potencial para promover a autoconsciência e a integração do self.
Neste artigo, exploraremos como a Gestalt-terapia compreende os sonhos, quais são suas principais técnicas para trabalhar com esse material e como esse processo pode contribuir para o crescimento pessoal e terapêutico.
A Visão da Gestalt-terapia sobre os Sonhos
Diferente da psicanálise freudiana, que entende os sonhos como expressões do inconsciente e utiliza sua interpretação simbólica, a Gestalt-terapia os vê como manifestações vivas da experiência do sonhador no momento presente.
Fritz Perls, um dos criadores da Gestalt-terapia, considerava os sonhos como partes fragmentadas do self, aspectos da personalidade que ainda não foram plenamente integrados. Segundo ele, cada elemento do sonho representa uma parte do próprio sonhador, e não uma mensagem oculta a ser decifrada.
Como afirma Perls (1973):
“Cada parte do sonho é uma projeção de um aspecto seu. O sonho não é algo a ser interpretado, mas uma experiência a ser revivida no aqui e agora.”
Dessa forma, o trabalho gestáltico com os sonhos não busca interpretar símbolos ou encontrar significados ocultos, mas sim vivenciar o sonho ativamente, assumindo seus diferentes aspectos e explorando as emoções e conflitos que emergem dessa experiência.
O Papel dos Sonhos na Autoconsciência e Integração
A Gestalt-terapia enfatiza o conceito de awareness, ou seja, a consciência ampliada da própria experiência. Trabalhar com sonhos dentro dessa abordagem permite que o indivíduo:
- Reconheça e integre partes dissociadas de si mesmo;
- Amplie sua consciência emocional e corporal;
- Experimente diferentes perspectivas e papéis internos;
- Desenvolva um senso maior de responsabilidade sobre sua vida.
Ao reviver os sonhos em terapia, o cliente entra em contato com emoções reprimidas, desejos não expressos e conflitos internos que podem estar influenciando sua vida cotidiana sem que ele perceba.
Como Perls (1969) destaca:
“Os sonhos são a forma mais espontânea de expressão do self. Eles trazem à tona partes nossas que ainda não reconhecemos ou aceitamos.”
Portanto, os sonhos na Gestalt-terapia são instrumentos poderosos para o autoconhecimento e podem ajudar na resolução de conflitos emocionais e no desenvolvimento da autenticidade do indivíduo.
Técnicas Gestálticas para o Trabalho com Sonhos
A Gestalt-terapia utiliza diversas técnicas vivenciais para explorar os sonhos. Essas técnicas incentivam o cliente a entrar em contato direto com sua experiência, em vez de apenas analisá-la racionalmente.
1. Reviver o Sonho no Aqui e Agora
O terapeuta convida o cliente a reviver o sonho como se estivesse acontecendo no momento presente. Em vez de apenas descrever o sonho, o cliente é estimulado a experimentar novamente suas emoções, sensações e interações dentro do sonho.
Exemplo de condução:
- “Feche os olhos e imagine que você está de volta ao seu sonho. O que você vê ao seu redor? O que sente agora?”
Essa abordagem permite que o sonhador entre em contato com aspectos inconscientes da experiência e os traga para sua consciência.
2. Assumir o Papel dos Elementos do Sonho
Na Gestalt-terapia, cada elemento do sonho (pessoas, objetos, cenários) representa uma parte do próprio sonhador. O terapeuta pode pedir ao cliente que assuma o papel de diferentes elementos do sonho e expresse suas emoções e intenções.
Exemplo de condução:
- “Imagine que você é a porta que apareceu no seu sonho. O que você diria ao sonhador? O que você representa?”
Essa técnica permite que o cliente acesse diferentes aspectos de sua personalidade e entenda como eles se relacionam entre si.
3. Diálogo entre as Partes do Sonho
O cliente pode ser incentivado a criar um diálogo entre diferentes personagens ou objetos do sonho, promovendo uma comunicação interna entre partes do self que podem estar em conflito.
Exemplo de condução:
- “Vamos fazer um diálogo entre você e a figura que apareceu no seu sonho. O que você gostaria de dizer a ela? E o que ela responderia?”
Essa técnica ajuda o cliente a integrar partes fragmentadas de sua identidade e resolver conflitos internos.
4. Amplificação de Emoções e Sensações
O terapeuta pode pedir ao cliente que exagere certas expressões ou gestos associados ao sonho, ampliando sua consciência sobre as emoções envolvidas.
Exemplo de condução:
- “Você mencionou que havia uma sensação de medo no sonho. Tente expressar esse medo com o corpo. Como seria esse medo em um gesto ou movimento?”
Essa técnica facilita o acesso a emoções reprimidas e promove a liberação de tensões emocionais.
Estudos de Caso e Aplicação Clínica
A aplicação das técnicas gestálticas com sonhos tem sido amplamente utilizada na prática clínica. Estudos e relatos de caso demonstram como esse trabalho pode ser eficaz no tratamento de ansiedade, traumas e dificuldades relacionais.
Caso 1: Sonho recorrente e autoconfiança
Um cliente relatava um sonho recorrente em que tentava correr, mas suas pernas não respondiam. Ao reviver o sonho na terapia, percebeu que essa sensação de paralisia refletia sua dificuldade de tomar decisões importantes na vida real. Assumindo o papel de diferentes elementos do sonho, conseguiu explorar os bloqueios internos que o impediam de agir com confiança.
Caso 2: Sonho com um animal agressivo
Uma mulher sonhava frequentemente com um cachorro bravo que tentava atacá-la. Ao assumir o papel do cachorro em sessão, percebeu que ele representava sua própria raiva reprimida, que ela evitava expressar em sua vida cotidiana. Esse insight permitiu que ela começasse a lidar melhor com sua assertividade.
Esses exemplos demonstram como os sonhos podem servir como atalhos para acessar conteúdos internos que, de outra forma, poderiam levar mais tempo para emergir na terapia.
Conclusão
Na Gestalt-terapia, os sonhos não são vistos como mensagens misteriosas que precisam ser decifradas, mas como experiências vivas que refletem aspectos não integrados do self.
Trabalhar os sonhos de forma experiencial permite que o indivíduo:
✔️ Amplie sua autoconsciência
✔️ Acesse e ressignifique emoções reprimidas
✔️ Explore diferentes aspectos de sua personalidade
✔️ Promova a integração de partes fragmentadas do self
Ao trazer os sonhos para o aqui e agora e permitir que o sonhador interaja diretamente com seus elementos, a Gestalt-terapia proporciona um caminho profundo e transformador para o autoconhecimento.
E você?
Você já teve um sonho marcante que parecia carregar um significado importante? Como acha que ele poderia ser explorado dentro da abordagem gestáltica? Compartilhe suas experiências nos comentários!
Referências
- Perls, F. (1969). Gestalt Therapy Verbatim.
- Perls, F. (1973). Sonhos e Existência: Um Enfoque Gestáltico.
- Oaklander, V. (2007). Descobrindo Crianças: Abordagem Gestáltica com Crianças e Adolescentes.
- Zinker, J. (1994). Gestalt Therapy: Creative Process in the Individual and Group Experience.
Se você deseja aprofundar-se no estudo dos sonhos na Gestalt-terapia, essas obras são excelentes pontos de partida!
Danilo Suassuna
Pedro Paulo Coelho (CRP 09/10277)
Psicólogo, Gestalt-terapeuta, especialista em atendimento com adolescentes e palestrante sobre saúde mental e autoconhecimento
@pedropaulocoelhoo