Sexualidade aos 8 anos: o que a psicologia realmente diz?
O olhar de diferentes autores sobre um período de descobertas, curiosidades e construção de identidade**
A sexualidade infantil não é miniatura da sexualidade adulta. Aos 8 anos, crianças não têm maturidade nem desejo sexual nos moldes adultos; o que existe é um movimento de curiosidade, exploração corporal, formação de identidade e compreensão social do corpo. Trata-se de uma fase neuropsicológica e socioculturalmente marcada por intensificação da cognição concreta, ampliação do repertório social e início da preparação biológica pré-puberal.
A seguir, integro perspectivas de autores que iluminam o tema por ângulos distintos.
1. Freud: sexualidade infantil não é tabu — é estrutura do desenvolvimento
Sigmund Freud não fala de sexualidade infantil como comportamento sexualizado, mas como energia psíquica que organiza o desenvolvimento. Na fase de latência (entre 6 e 10/11 anos), ele descreve uma diminuição da expressão direta da sexualidade, mas não sua ausência:
- A energia libidinal é deslocada para vínculos sociais, curiosidades intelectuais e amizades.
- A criança busca compreender regras sociais e morais.
- A vergonha e a modéstia se consolidam como mecanismos de regulação.
Para Freud, a curiosidade sobre corpos, perguntas sobre como nascem os bebês, brincadeiras de médicos e exploração corporal não significam sexualização, mas expressão da pulsão de conhecimento (epistemophilic drive).
Essa perspectiva continua sendo importante para diferenciar curiosidade infantil normal de comportamentos erotizados, que exigem investigação.
2. Winnicott: corpo, descoberta e a importância de um ambiente suficientemente bom
Winnicott amplia a compreensão freudiana ao enfatizar o papel do ambiente. Para ele:
- A criança só explora o corpo com segurança quando existe um ambiente suficientemente bom.
- O brincar é o principal espaço para que a criança experimente o mundo e se experimente.
- Curiosidade genital faz parte do repertório lúdico da idade.
Aos 8 anos, espera-se que a criança:
- Expresse vergonha de forma mais organizada, um marco importante do amadurecimento emocional.
- Tenha interesse crescente em regras sociais sobre privacidade.
- Busque explicações racionais, não apenas fantasiosas.
Winnicott reforça que não existe saúde emocional sem espaço para perguntas. Silenciar, punir ou envergonhar a criança quando ela pergunta sobre sexualidade pode gerar angústia e confusão.
3. Jean Piaget: mudanças cognitivas e a sexualidade como parte da moral e do pensamento lógico
Aos 8 anos a criança está no estágio das operações concretas:
- Já diferencia a fantasia de realidade.
- Consegue entender causalidades simples (ex.: “bebê nasce porque dois adultos se relacionam”).
- Amplia o entendimento de normas, regras e papéis sociais.
Por isso, perguntas diretas sobre temas sexuais são cognitivamente naturais. A criança está integrando categorias: corpo, origem da vida, privacidade, diferenças anatômicas, papéis de gênero.
O risco aqui é oferecer explicações fantasiosas demais — Piaget mostra que crianças dessa idade querem coerência lógica, não metáforas excessivas.
4. Judith Butler e autores contemporâneos: sexualidade e gênero como construções sociais
Perspectivas socioculturais lembram que:
- A forma como falamos de corpo, intimidade e gênero é culturalmente moldada.
- A criança observa e imita modelos: pais, mídia, escola, pares.
- Diferentes culturas entendem o que é “apropriado” de maneiras distintas.
Autores como Butler e pesquisas recentes em psicologia cultural (Rogoff, 2003) reforçam que a expressão da curiosidade sexual infantil é mediada pelo ambiente. Crianças expostas a discursos mais abertos tendem a perguntar com mais naturalidade; ambientes rígidos podem gerar silêncio, risos nervosos e medo.
5. John Bowlby: apego, segurança emocional e perguntas sobre sexualidade
Para Bowlby e a teoria do apego:
- A sexualidade infantil também é um fenômeno relacional.
- A criança busca no adulto uma base segura para suas dúvidas.
- Respostas acolhedoras aumentam segurança emocional e confiança.
Quando pais ou cuidadores reagem com bronca, vergonha ou punição, a criança pode aprender que:
- O tema é proibido.
- Seu corpo está errado.
- Perguntar é perigoso.
Isso afeta o desenvolvimento de autonomia, autoestima e até prevenção de abuso (crianças que têm liberdade para falar sobre o corpo pedem ajuda com mais facilidade).
6. Michel Foucault e a crítica contemporânea: por que a sociedade silencia a sexualidade infantil?
Foucault analisa como o discurso social historicamente construiu a sexualidade como algo que deve ser controlado. Em consequência:
- Tendemos a sexualizar perguntas que, na verdade, são cognitivas.
- Confundimos curiosidade infantil com intenção sexual (o que é um erro conceitual grave).
- Silenciamos temas importantes por medo moral, não por ciência.
A psicologia contemporânea busca desfazer esse equívoco, aproximando sexualidade do campo do desenvolvimento, da saúde e da educação.
7. Pesquisas atuais: o que é esperado em crianças de 8 anos?
Estudos da American Academy of Pediatrics, Society for Research in Child Development, e do programa de sexualidade saudável da WHO (2010) indicam que comportamentos comuns aos 8 anos incluem:
- Perguntar sobre como nascem os bebês.
- Curiosidade sobre diferenças entre corpos de meninos e meninas.
- Interesse crescente em privacidade.
- Brincadeiras com regras claras e consentidas (médico, família).
- Vergonha moderada ao se trocar na frente de outros.
- Busca de explicações biológicas, não mais mágicas.
Preocupantes são comportamentos erotizados, como:
- Sexualização explícita.
- Linguagem adulta sobre sexo.
- Toques invasivos repetidos.
- Hipersexualização de si ou do outro.
Esses comportamentos pedem investigação clínica, pois podem estar associados à exposição inadequada ou abuso.
8. Antropologia da sexualidade: corpos são ensinados pela cultura
Autores como Margaret Mead, Sherry Ortner e Thomas Gregor mostram que:
- A forma como crianças lidam com o corpo é amplamente determinada pelo contexto cultural.
- Em algumas sociedades, falar sobre sexualidade é natural; em outras, é tabu.
- Quanto maior o tabu, maior a ansiedade dos pais — e mais silenciosa a criança se torna.
No contexto brasileiro, pesquisas de Vera Paiva e Maria Cristina Kupfer (USP) mostram que os pais têm grande dificuldade em conversar sobre sexualidade, o que reforça fantasias, medos e inseguranças.
9. Sexualidade aos 8 anos e saúde emocional
Do ponto de vista psicológico, perguntas sobre sexualidade aos 8 anos estão relacionadas a:
- construção da identidade corporal;
- diferenciação do eu e do outro;
- pertencimento ao grupo social;
- compreensão de limites e privacidade;
- desenvolvimento da autoestima corporal.
Pesquisas de Deborah Tolman, Sharon Lamb e Madeline Levine mostram que incentivar conversas abertas reduz:
- vergonha corporal,
- risco de abuso,
- ansiedade,
- internalização de padrões irreais.
10. O que um psicólogo pode observar clinicamente nessa idade?
Sinais de desenvolvimento esperado
- Perguntas diretas sobre corpo.
- Brincadeiras lúdicas, não erotizadas.
- Curiosidade sobre mudanças da puberdade.
- Surgimento de vergonha e privacidade.
Sinais que exigem cuidado clínico
- Sexualização precoce ou explícita.
- Informações detalhadas incompatíveis com a idade.
- Medo extremo do próprio corpo.
- Vergonha excessiva imposta por adultos.
- Comportamentos compulsivos envolvendo genitália.
- Repetição de atos que ferem limites do outro.
Nesses casos, a intervenção psicológica é fundamental — sempre com investigação ética, proteção da criança e diálogo com responsáveis.
11. Como pais e cuidadores devem responder? (baseado em evidências)
Estudos de educação sexual preventiva (WHO, UNESCO, AAP, APA) convergem em boas práticas:
- Responder com sinceridade proporcional à idade.
Sem metáforas confusas, sem mentir. - Normalizar a curiosidade.
“É normal ter dúvidas sobre o corpo.” - Ensinar sobre limites e consentimento.
“Seu corpo é seu. Ninguém pode tocar sem sua permissão.” - Nomear corretamente as partes do corpo.
Isso aumenta proteção e diminui confusão. - Evitar punição e vergonha.
Isso não impede comportamentos — apenas os esconde. - Construir um ambiente seguro de diálogo.
É uma das maiores proteções contra violência sexual na infância.
12. O papel dos profissionais da psicologia
Autores como Winnicott, Bowlby, Mary Ainsworth, Piaget, e também especialistas em sexualidade infantil (como Sandra Leiblum e Isadora Pires) reforçam que o psicólogo deve:
- Oferecer acolhimento sem julgamento.
- Ajudar a criança a compreender corpo, limites e emoções.
- Orientar pais sobre práticas educativas baseadas em evidências.
- Diferenciar sinais de desenvolvimento normal de sinais de risco.
- Trabalhar com escolas na construção de ambientes seguros e não punitivos.
Dr. Danilo Suassuna, como psicólogo, destaca que a sexualidade infantil exige escuta, presença e responsabilidade — nunca silêncio, moralismo ou punição. O cuidado vem sempre pela via do diálogo.
Conclusão: aos 8 anos, sexualidade é desenvolvimento, não erotização
Quando entendemos a sexualidade infantil a partir de Freud, Winnicott, Piaget, Bowlby, autores contemporâneos de gênero, antropologia e psicologia do desenvolvimento, percebemos que:
- É normal ter curiosidades.
- É saudável perguntar.
- É papel do adulto oferecer segurança emocional.
- É papel da psicologia orientar, proteger e educar.
A sexualidade infantil, quando tratada com naturalidade e conhecimento, torna-se um dos pilares da saúde emocional e da proteção da criança no longo prazo.



