

Seu luto é seu: porque o luto não tem fases, tem sentimentos
O luto é uma experiência que escapa a qualquer tentativa de ser enquadrada. Ele não se mede, não se calcula, e — ao contrário do que se tornou comum dizer — não se divide em fases. O luto não se organiza em etapas, mas se sente, com toda a complexidade que envolve sentir algo que transforma profundamente quem somos.
A frase “seu luto é seu” não é apenas uma constatação; é uma forma de reconhecimento e respeito. Ela significa: ninguém pode viver a sua dor por você. Cada pessoa carrega um vínculo singular com o que perdeu — e é justamente esse vínculo que dá forma à experiência do luto.
O mito das fases do luto
Desde a década de 1960, quando Elisabeth Kübler-Ross propôs seu modelo das cinco fases (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação), o discurso social passou a entender o luto como uma sequência previsível de estados emocionais.
Mas a própria Kübler-Ross, mais tarde, reconheceu que seu modelo foi mal interpretado: as fases não são etapas fixas nem lineares, e tampouco todos passam por elas.
Pesquisas mais recentes (Worden, 2018; Neimeyer, 2001; Stroebe & Schut, 2010) mostram que o luto é processual, não linear e profundamente pessoal. Ele não se move em linha reta — ele vai e volta, se intensifica e se aquieta, se confunde e se reinventa.
O luto, afinal, é vida pulsando na ausência.
O luto não se organiza — ele atravessa
Ao tentar dividir o luto em fases, corremos o risco de racionalizar algo que pertence à esfera do sentir. A dor da perda não segue uma ordem, e muito menos uma lógica. Ela se manifesta em ondas — ora suaves, ora devastadoras — que, com o tempo, vão se tornando mais espaçadas, mas nunca desaparecem por completo.
O psicólogo e pós-doutor em Psicologia Dr. Danilo Suassuna lembra que “o luto não é um processo de esquecimento, mas de reconstrução do sentido da vida sem aquilo ou aquele que se perdeu”.
É por isso que, em vez de “passar pelo luto”, talvez seja mais justo dizer que o luto passa por nós — e, ao fazê-lo, nos transforma.
A singularidade das perdas
Não há dois lutos iguais, mesmo que duas pessoas chorem a mesma morte. Isso porque cada vínculo é único, e cada história contém significados próprios.
John Bowlby, pai da teoria do apego, mostrou que o modo como sofremos uma perda está profundamente ligado à forma como aprendemos a nos vincular. Assim, o luto fala da perda, mas também daquilo que fomos e somos nas nossas relações.
É nesse ponto que a psicologia contemporânea se afasta da ideia de padronização e se aproxima da noção de vivência individual. Cada pessoa cria um caminho próprio de reorganização — e esse caminho pode incluir tristeza, saudade, raiva, culpa, alívio, ou mesmo silêncio.
Tudo isso é luto.
Não há certo ou errado. Há apenas o que é verdadeiro para quem sente.
O luto é corpo, emoção e memória
O luto não está apenas na mente; ele se inscreve no corpo. A falta de sono, o cansaço, o aperto no peito, o vazio no estômago, a perda de apetite — todos esses são modos pelos quais o corpo expressa o que ainda não encontrou palavras.
Para Winnicott (1971), os processos emocionais profundos precisam de espaço para existir. E esse espaço se dá quando o ambiente é suficientemente seguro para que o indivíduo possa sentir, sem medo de ser julgado ou pressionado a “seguir em frente”.
O luto, portanto, precisa de acolhimento, não de pressa.
Elaborar não é esquecer
Elaborar o luto não significa “superar” ou “deixar para trás”.
Significa reorganizar-se emocionalmente diante da ausência — construir novas formas de estar no mundo sem o que (ou quem) se foi, mas preservando o vínculo de amor que permanece.
Como explica Neimeyer (2001), o processo de luto é uma reconstrução de sentido: o sujeito busca integrar a perda à narrativa de sua própria vida, encontrando significados que permitam continuar.
Não é apagar a dor, mas permitir que ela se transforme em presença simbólica.
O papel da escuta: estar junto é terapêutico
O que mais ajuda alguém em luto não são conselhos, mas presenças que sustentam.
Palavras apressadas como “você precisa ser forte” ou “a vida continua” não confortam; ao contrário, isolam ainda mais.
A verdadeira ajuda está na escuta silenciosa, na mão que permanece, no olhar que reconhece sem exigir melhora.
É por isso que projetos como o Todos Cuidados, do Instituto Suassuna, são fundamentais: eles oferecem espaços seguros para falar — ou simplesmente estar — com profissionais que compreendem a linguagem das perdas.
A terapia não apaga a dor, mas ajuda a dar contorno a ela, evitando que o sofrimento se transforme em adoecimento.
Crianças também vivem luto
Dentro do projeto Falar para seu filho ouvir, um dos pilares é ensinar os pais a não esconderem o luto das crianças.
Muitos adultos, por medo de fazê-las sofrer, silenciam a morte, mudam de assunto ou inventam metáforas distantes.
Mas a criança percebe o silêncio e sente a ausência, mesmo sem entender suas causas.
Falar sobre o que aconteceu, com palavras adequadas à idade, é uma forma de cuidar.
O luto infantil precisa de escuta, acolhimento e rotina.
Como lembra Dr. Danilo Suassuna, “não se protege uma criança do luto escondendo a dor; protege-se ensinando que sentir é humano e que o amor continua, mesmo quando o corpo se vai.”
Seu luto é seu
Essa frase é mais do que um lembrete — é um direito afetivo.
É o direito de sentir no seu tempo, de chorar sem explicação, de rir quando a dor der trégua, de lembrar sem culpa, de viver sem pressa de esquecer.
É o direito de não caber nas fases, nos manuais, nem nas expectativas alheias.
O luto não tem começo, meio e fim; ele se move em espirais, nas quais a saudade e a presença se alternam.
E com o tempo, o que antes era dor se torna memória — uma memória que não fere mais, mas ainda comove.
Porque o amor, quando verdadeiro, não morre — muda de forma.
Para quem precisa de apoio
Se você está vivendo um processo de luto e sente que o sofrimento tem sido maior do que pode carregar, busque ajuda.
O Instituto Suassuna, através do programa Todos Cuidados, oferece acompanhamento psicológico acessível e ético, com profissionais capacitados a acolher e acompanhar diferentes tipos de perda — desde o luto por pessoas até o luto por rupturas, ciclos e sonhos interrompidos.
O cuidado não é o oposto da dor — é o que torna possível atravessá-la com humanidade.
Referências
- Bowlby, J. (1980). Attachment and Loss: Vol. 3. Loss, Sadness and Depression. Basic Books.
- Kübler-Ross, E. (1969). On Death and Dying. Macmillan.
- Worden, J. W. (2018). Grief Counseling and Grief Therapy: A Handbook for the Mental Health Practitioner. Springer.
- Neimeyer, R. A. (2001). Meaning Reconstruction and the Experience of Loss. American Psychological Association.
- Stroebe, M., & Schut, H. (2010). The Dual Process Model of Coping with Bereavement: Rationale and Description. Death Studies, 23(3).
- Winnicott, D. W. (1971). Playing and Reality. Routledge.