

“Meu Filho Só Quer Atenção”: Rejeição Parental e Suas Consequências
Por Dr. Danilo Suassuna – Psicólogo, Doutor em psicologia
Introdução
Você já ouviu ou disse a frase: “Meu filho só quer chamar atenção”? Pois saiba que essa frase, embora comum no dia a dia de muitas famílias, pode esconder um pedido muito mais profundo: o desejo de ser aceito, amado e reconhecido emocionalmente por seus pais.
A ciência já comprovou: não é apenas o que você oferece ao seu filho em termos de escola, alimentação ou atividades extracurriculares que molda seu futuro, mas sim como ele se sente na sua presença. Ele se sente visto? Ouvido? Respeitado? Acolhido?
Neste artigo, vamos mergulhar em duas pesquisas fundamentais que explicam, com base científica, o que acontece com as crianças e adolescentes que se sentem rejeitados: os estudos de Ronald Rohner, que pesquisou mais de 100 culturas sobre o impacto da aceitação e rejeição parental, e de James Garbarino, especialista em desenvolvimento humano e violência juvenil.
Se você é mãe, pai ou cuidador e deseja compreender como construir uma relação emocionalmente saudável com seus filhos — e evitar consequências emocionais sérias — continue a leitura. Esse texto foi escrito para você.
Parte 1: O Que é Rejeição Parental?
Antes de falarmos dos estudos, é essencial entender o que significa “rejeição” no contexto familiar.
Rejeição não é apenas ausência de amor, mas presença de dor
Rejeição parental não significa, necessariamente, que os pais não amem seus filhos. Muitas vezes, eles amam profundamente. Mas isso não basta. O que importa é como esse amor é comunicado e percebido.
Segundo a Parental Acceptance-Rejection Theory (PARTheory), desenvolvida por Ronald Rohner, crianças e adolescentes percebem rejeição quando vivenciam uma ou mais das seguintes atitudes:
- Frieza emocional ou distanciamento afetivo;
- Críticas constantes sem reconhecimento dos acertos;
- Comparações negativas com irmãos, primos ou colegas;
- Agressividade verbal ou física;
- Ausência de escuta ativa e empatia;
- Indiferença diante das dores emocionais da criança.
Esses comportamentos — mesmo que não sejam intencionais — geram na criança uma percepção de que não é amada como é. E isso, segundo Rohner, tem efeitos devastadores no seu desenvolvimento psicológico.
Parte 2: Ronald Rohner e a Teoria da Aceitação-Rejeição Parental
O antropólogo e psicólogo Ronald Rohner dedicou mais de quatro décadas à investigação do impacto da rejeição parental em crianças e adolescentes ao redor do mundo. Sua pesquisa é uma das mais abrangentes já feitas na área, envolvendo culturas em todos os continentes.
Principais conclusões dos estudos de Rohner:
- A forma de expressar aceitação ou rejeição varia entre culturas, mas os efeitos psicológicos da rejeição são universais.
- Filhos rejeitados têm maior risco de desenvolver:
- Baixa autoestima;
- Transtornos de ansiedade e depressão;
- Dificuldades para confiar em outras pessoas;
- Dificuldade em formar vínculos afetivos estáveis;
- Comportamentos agressivos ou antissociais;
- Problemas com identidade, inclusive identidade sexual;
- Reações impulsivas e dificuldade de autorregulação.
- Baixa autoestima;
- Rohner cunhou o termo “malignidade psicológica” para descrever o efeito da rejeição que se espalha como um veneno silencioso por todo o sistema emocional da criança.
“Os efeitos da rejeição são tão fortes que ele a chama de ‘malignidade psicológica’ que se espalha por todo o sistema emocional do filho, causando devastação interior.” (Rohner, 2004)
Por que isso acontece?
Do ponto de vista neurocientífico, a sensação de rejeição ativa áreas do cérebro relacionadas à dor física. Em outras palavras: ser emocionalmente rejeitado dói, literalmente, como se fosse uma pancada.
Estudos com ressonância magnética funcional mostram que a rejeição social ativa o córtex cingulado anterior — mesma área acionada quando sofremos uma queimadura, por exemplo.
Agora imagine essa dor sendo repetida todos os dias, por anos, dentro de casa. O resultado é um sistema emocional fragilizado, que cresce sem confiança, autonomia ou segurança afetiva.
Parte 3: James Garbarino e os Adolescentes Invisíveis
O psicólogo James Garbarino passou anos entrevistando adolescentes internados por atos de violência grave, como homicídio. Em sua obra Lost Boys, ele faz uma pergunta incômoda, mas necessária: o que leva um menino a se tornar violento?
A resposta de Garbarino é clara: rejeição e abandono emocional.
Segundo ele, muitos adolescentes que cometeram crimes violentos não cresceram em lares onde foram odiados, mas sim em casas onde foram invisíveis. Não foram escutados, validados ou reconhecidos como sujeitos. Foram ignorados, comparados, ou rotulados como “difíceis”, “rebeldes” ou “problemáticos”.
“O sentimento de rejeição é um elemento central na estrutura psicológica do adolescente violento.” (Garbarino, 1999)
Padrões comuns entre os jovens estudados:
- Relacionamentos frios ou hostis com os pais, especialmente o pai;
- Falta de elogios, incentivo e segurança emocional na infância;
- Exposição à violência doméstica ou negligência afetiva;
- Rotinas familiares marcadas por críticas e exigências, sem escuta;
- Comparações constantes com irmãos ou colegas “melhores”.
Esses adolescentes, relata Garbarino, usaram a violência como expressão final de um grito que nunca foi escutado. A agressividade não nasce do nada: ela é fruto de uma história emocional marcada por carência, raiva e solidão.
Parte 4: “Mas eu não bato no meu filho”: o novo conceito de rejeição invisível
Um dos maiores desafios para os pais é reconhecer que a rejeição não precisa ser explícita. Na verdade, as formas mais danosas de rejeição muitas vezes são sutis, silenciosas e até bem-intencionadas.
Veja exemplos de atitudes que podem ser percebidas como rejeição:
- Ignorar quando a criança chora (“Isso é bobagem”);
- Interromper quando ela está contando algo importante;
- Fazer piadas sobre os sentimentos dela (“Tá sensível demais hoje, hein?”);
- Desvalorizar suas conquistas (“Tirou 8? Poderia ser 10.”);
- Falar mal dela na frente dos outros, mesmo em tom de brincadeira.
Essas atitudes podem parecer inofensivas, mas quando acumuladas, ensinam a criança que seus sentimentos não importam.
Parte 5: O que os filhos precisam ouvir e sentir
A pesquisa de Rohner mostra que a aceitação parental é uma das maiores forças de proteção emocional. Um filho que se sente aceito tende a desenvolver:
- Autoestima saudável;
- Capacidade de lidar com frustrações;
- Autonomia e responsabilidade;
- Facilidade em estabelecer vínculos afetivos;
- Empatia e autorregulação emocional.
Frases que fortalecem o vínculo emocional:
- “Eu gosto de você do jeitinho que você é.”
- “Eu te amo mesmo quando você erra.”
- “Seus sentimentos são importantes para mim.”
- “Você não precisa ser perfeito para ser amado.”
- “Me conta mais sobre isso. Quero entender.”
Parte 6: Efeitos de longo prazo da rejeição parental
As marcas da rejeição podem acompanhar uma pessoa por toda a vida. Adultos que vivenciaram rejeição parental relatam com frequência:
- Relações amorosas instáveis ou evitativas;
- Medo constante de não ser suficiente;
- Hipersensibilidade a críticas;
- Dificuldade em confiar nas pessoas;
- Depressão ou ansiedade crônica;
- Tendência à autossabotagem.
Em muitos casos, esses adultos buscam na terapia a escuta que não tiveram na infância. A boa notícia é que é possível curar essas feridas, mas o processo é mais fácil se começarmos pela base: a relação com os pais.
Parte 7: Como reparar a rejeição – mesmo que já tenha acontecido
Muitos pais, ao lerem sobre rejeição parental, sentem culpa. Isso é compreensível, mas a culpa só tem valor se nos mover para a responsabilidade afetiva.
É possível reconstruir o vínculo com um filho que já se sentiu rejeitado?
Sim. Estudos mostram que o cérebro é plástico, e os vínculos também são. Mesmo que seu filho seja adolescente ou adulto, a reaproximação emocional ainda é possível. Veja algumas estratégias:
- Reconheça sua parte – Dizer “Eu errei, e quero fazer diferente” tem um poder curativo enorme.
- Peça perdão, mas não espere aceitação imediata – A ferida pode levar tempo para cicatrizar.
- Seja consistente – Demonstre afeto com atitudes, não apenas com palavras.
- Procure ajuda profissional – Psicólogos familiares podem facilitar essa reconstrução.
- Esteja presente de verdade – Presença de corpo e alma. Sem celular, sem pressa, com escuta ativa.
Parte 8: O papel da escola, da comunidade e da sociedade
Nem toda rejeição vem da família. Crianças e adolescentes também podem se sentir rejeitados por:
- Professores que rotulam;
- Colegas que praticam bullying;
- Sistemas escolares que não valorizam a diversidade emocional.
Por isso, os estudos de Rohner e Garbarino também reforçam que a responsabilidade de proteger emocionalmente nossas crianças é coletiva. Famílias, escolas e profissionais precisam trabalhar juntos para construir ambientes seguros, respeitosos e emocionalmente nutritivos.
O Amor Que Cura
Rejeição parental é um tema difícil, mas urgente. Precisamos falar sobre ele com coragem, escuta e ação. Se você se reconheceu em alguma parte deste texto, saiba: não é tarde para começar a fazer diferente.
O mais importante não é ser um pai ou uma mãe perfeita, mas ser alguém que aprende, repara e está presente. Como diz o psicólogo Dan Siegel:
“A parentalidade não é sobre perfeição. É sobre reparação.”
Ao aceitarmos nossos filhos como eles são — com erros, emoções intensas e vulnerabilidades — damos a eles o maior presente que alguém pode receber: a certeza de que são dignos de amor, simplesmente por existirem.
Dr. Danilo Suassuna
Psicólogo (CRP 09/00000)
Doutor e Pós-Doutor em Psicologia e Educação
Coordenador do Projeto “Falar para seu filho ouvir”, do Instituto Suassuna