

Quem cuida da mãe?
A mulher, pessoa, ser humano que também precisa de cuidado
Introdução
Mãe. Palavra curta, mas de um peso imenso. Socialmente, ela é sinônimo de doação, força, paciência e amor incondicional. Mas por trás desse ideal quase mitológico, há uma pessoa real: a mulher, o ser humano, que também sente cansaço, solidão, medo e dor. Quem cuida dessa mulher? Quem olha para além do papel materno e reconhece a pessoa que existe ali?
Neste texto, proponho uma reflexão sobre como a maternidade, muitas vezes romantizada, pode se tornar um espaço de sobrecarga emocional e invisibilização das necessidades femininas. Também vamos falar sobre saúde mental, redes de apoio e a importância do cuidado com quem cuida.
A idealização da maternidade e o apagamento da mulher
Na cultura ocidental — especialmente nas sociedades latinas — a figura materna é envolta em idealizações. A mãe é descrita como uma figura abnegada, sempre disponível, incansável. Esse imaginário é construído desde cedo: nas novelas, nas propagandas, nos discursos religiosos e até nas políticas públicas.
O problema dessa idealização é que ela apaga a complexidade da experiência materna. A mulher deixa de ser vista como sujeito de direitos, com desejos e limites, e passa a ser percebida quase exclusivamente em função do outro — do filho, da família, da casa. Como alerta Badinter (1985) em Um amor conquistado, a maternidade nem sempre é instintiva ou prazerosa; ela é atravessada por conflitos, pressões e ambivalências que precisam ser reconhecidos.
A sobrecarga invisível: jornada tripla e culpa
No Brasil, dados do IBGE (2023) mostram que as mulheres dedicam, em média, quase o dobro do tempo dos homens às tarefas domésticas e aos cuidados com filhos ou outros familiares. Essa realidade se intensifica com a maternidade. Muitas mulheres enfrentam a chamada “jornada tripla”: trabalho remunerado, trabalho doméstico e cuidado com os filhos — muitas vezes, sem nenhuma rede de apoio sólida.
Essa sobrecarga não é apenas física, mas também emocional. A culpa materna — sentimento constantemente alimentado por discursos normativos — transforma qualquer tentativa de autocuidado em um dilema moral. Dormir um pouco mais, sair com amigas, buscar terapia, voltar a estudar ou a trabalhar pode ser interpretado como egoísmo, como se a mãe devesse se anular completamente.
Consequências para a saúde mental
Não à toa, os transtornos mentais entre mães são mais frequentes do que se imagina. Um estudo publicado na Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil (Silva et al., 2021) revelou que cerca de 25% das mulheres apresentam sintomas de depressão pós-parto, e muitas seguem sem diagnóstico ou tratamento adequado.
Além disso, há um número crescente de casos de ansiedade, burnout materno e sentimentos de insuficiência. A falta de reconhecimento social, somada à ausência de políticas públicas que amparem essa mulher, contribui para um cenário de adoecimento silencioso.
A importância das redes de apoio
Um dos principais fatores de proteção para a saúde mental materna é a presença de uma rede de apoio. Essa rede pode incluir o parceiro (quando presente), familiares, amigas, vizinhas, outras mães e até grupos de apoio presenciais ou virtuais.
Mais do que ajudar com tarefas práticas, essa rede precisa validar emocionalmente a mulher. Ouvir sem julgar, acolher seus sentimentos, oferecer tempo de descanso — tudo isso contribui para que ela não se sinta sozinha nem culpada por precisar de cuidados.
A Lei do Umbiguinho: marco no cuidado com a saúde mental materna
Um importante avanço nessa área começou em Goiânia com a chamada Lei do Umbiguinho, oficialmente Lei nº 10.798/2022, de autoria da vereadora Sabrina Garcez (Republicanos). Aprovada na Câmara Municipal de Goiânia, essa legislação garante às gestantes o direito ao acompanhamento psicológico durante toda a jornada da gravidez, do parto e do puerpério, tanto na rede pública quanto na privada.
A proposta visa proporcionar suporte emocional contínuo, oferecendo às mulheres um atendimento mais seguro, empático e humanizado. O impacto da medida foi tão significativo que inspirou a criação de um projeto federal, sancionado em 2023, estendendo esse direito para todo o território nacional.
Além disso, a Lei do Umbiguinho foi integrada à Lei nº 10.887, que consolida as normas de proteção e defesa da mulher em Goiânia, fortalecendo o compromisso da cidade com os direitos reprodutivos e a saúde mental materna.
Precisamos falar de autocuidado — e sem culpa
Autocuidado não é luxo. É sobrevivência. E precisa ser entendido como um direito da mulher, mesmo — ou principalmente — quando ela se torna mãe. Isso inclui cuidar da saúde física, mental, emocional e espiritual.
Mas o autocuidado só se torna viável quando há espaço social e familiar para isso. Não adianta cobrar que a mãe cuide de si se ela não tem com quem deixar os filhos, se não tem tempo para descansar, se não pode pagar por uma terapia. É preciso criar condições materiais e simbólicas para que o cuidado de si seja possível.
O papel da sociedade e das políticas públicas
A responsabilidade por cuidar da mãe não é apenas individual ou familiar. É também social. Precisamos de políticas públicas que apoiem a maternidade de forma integral: licenças parentais igualitárias, creches acessíveis e de qualidade, acesso gratuito à saúde mental, programas de acolhimento para mães solo.
É urgente resgatar a humanidade da mãe. Ela não é super-heroína. É uma mulher real, com corpo, mente e sentimentos que merecem cuidado.
Cuidados essenciais para as mães
Para promover o bem-estar das mães, é fundamental considerar os seguintes cuidados:
- Apoio psicológico garantido por lei: Reconhecer e divulgar a Lei do Umbiguinho como um avanço na garantia de suporte psicológico às gestantes no Brasil.
- Redes de apoio afetivas e sociais: Construir e fortalecer redes que validem emocionalmente as mães e compartilhem responsabilidades cotidianas.
- Espaços de escuta e acolhimento: Criar grupos e ambientes em que a mulher possa se expressar sem julgamento.
- Condições reais para o autocuidado: Proporcionar tempo, recursos e apoio para que a mãe possa cuidar de si.
- Valorização da mulher para além da maternidade: Reconhecer que a identidade da mulher não se esgota na função materna.
Conclusão
Quem cuida da mãe?
Essa pergunta precisa ecoar em cada lar, empresa, escola e instância de poder. Cuidar da mãe é cuidar de toda a sociedade. É romper com ciclos de abandono e violência emocional. É garantir que a mulher não precise desaparecer dentro da maternidade para ser reconhecida como alguém que importa.
Talvez a maior revolução que possamos fazer em nome do cuidado seja essa: olhar para a mulher que existe antes, durante e depois da mãe.
E você, já parou para pensar em como pode apoiar uma mãe próxima de você? Ou, se você é mãe, como tem cuidado de si mesma nos últimos tempos? Compartilhe sua experiência nos comentários — ela pode ser o alívio ou o insight que outra mulher está precisando.