Psicologia no Cotidiano: o papel do psicólogo atuante

  • post publicado em 15/09/25 às 18:29 PM
  • Tempo estimado de leitura: 5 minutos

 

Psicologia no Cotidiano: o papel do psicólogo atuante

Introdução

Durante muito tempo, a psicologia foi associada a um espaço específico: o consultório. A imagem clássica do divã, da escuta silenciosa e da confidencialidade ainda está viva no imaginário social. No entanto, reduzir a psicologia a esse cenário é limitar sua potência transformadora. A psicologia é ciência e profissão que atravessa o cotidiano, interfere nas relações sociais e promove saúde em múltiplos níveis.

O psicólogo atuante é aquele que não se restringe às quatro paredes do consultório, mas se abre para a realidade viva da sociedade: escolas, hospitais, empresas, comunidades, tribunais, espaços culturais e de segurança pública. É nesse contato com a realidade concreta que a psicologia ganha corpo e se torna um instrumento de democratização da saúde mental.

Este artigo propõe uma reflexão aprofundada sobre como a psicologia pode estar presente no cotidiano e qual é o papel do psicólogo atuante nesse processo.

1. O cotidiano como campo psicológico

O cotidiano, muitas vezes invisível, é o palco onde a vida acontece. São nas pequenas interações diárias que emergem as grandes questões humanas: as brigas entre irmãos, a ansiedade de um adolescente em prova, o estresse de um trabalhador diante de metas inalcançáveis, o luto silencioso de uma mãe, a solidão de um idoso.

Autores como Agnes Heller (1970), ao refletirem sobre o conceito de vida cotidiana, já destacavam que é nesse espaço aparentemente banal que se constituem valores, comportamentos e subjetividades. Para a psicologia, isso significa que cada gesto, cada rotina, cada vínculo traz consigo uma dimensão emocional e social que pode ser trabalhada.

O psicólogo atuante entende que não há um “fora” da psicologia: todo fenômeno humano é também psicológico. Como lembra Donald Winnicott (1975), “não existe bebê sem ambiente”. A frase pode ser ampliada: não existe sujeito sem cotidiano. O ambiente, as interações e as condições de vida são parte constitutiva da experiência humana.

2. A psicologia e a escola: além do conteúdo

A escola é um dos espaços mais férteis para a psicologia no cotidiano. Mais do que transmitir conteúdos, a instituição escolar é lugar de socialização, construção de identidade e desenvolvimento socioemocional.

O psicólogo escolar ou educacional, quando atuante, não se restringe a diagnósticos ou encaminhamentos. Ele se insere na dinâmica pedagógica, apoia professores no manejo da sala de aula, oferece espaços de escuta para estudantes e cria pontes com as famílias.

Pesquisas brasileiras mostram que intervenções psicológicas em escolas reduzem a evasão escolar, fortalecem vínculos e previnem problemas emocionais (Marturano & Loureiro, 2003). Além disso, programas de educação socioemocional, quando mediadas por psicólogos, melhoram a convivência e o rendimento acadêmico.

Nesse contexto, Paulo Freire (1970) é uma referência inevitável. Para ele, “educação é um ato político”, e a psicologia pode contribuir para que esse ato seja também um exercício de liberdade, autonomia e emancipação.

3. Psicologia e trabalho: saúde, produtividade e dignidade

No mundo do trabalho, a presença da psicologia é cada vez mais urgente. A pressão por produtividade, o medo do desemprego, as exigências de inovação e a precarização de vínculos impactam diretamente na saúde mental dos trabalhadores.

A Organização Mundial da Saúde (WHO, 2022) estima que transtornos mentais comuns, como ansiedade e depressão, custam à economia global cerca de 1 trilhão de dólares por ano em perda de produtividade. No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam que o afastamento por transtornos mentais é a segunda maior causa de licenças médicas prolongadas.

O psicólogo atuante, ao entrar nesse cotidiano, pode propor programas de prevenção, mediação de conflitos, acompanhamento de lideranças e intervenções organizacionais que fortalecem a saúde emocional. A recente Lei 14.831/24 reforça essa direção, ao reconhecer a importância da saúde mental como prioridade no ambiente laboral.

Mas a contribuição vai além do aspecto econômico: trata-se de preservar a dignidade do trabalhador, de criar espaços de pertencimento e de promover sentido no trabalho. Viktor Frankl (1989), ao falar sobre a busca de sentido, já lembrava que o sofrimento humano pode ser atenuado quando se encontra propósito — e o psicólogo tem papel crucial em ajudar indivíduos e organizações a ressignificar suas experiências.

4. Psicologia e saúde: do hospital à comunidade

No campo da saúde, a psicologia se amplia em múltiplas frentes. Em hospitais, psicólogos atuam em UTIs, oncologia, pediatria, saúde mental perinatal. No entanto, sua contribuição vai muito além dos momentos críticos.

Grupos de gestantes, rodas de conversa com idosos, programas de saúde da família e acompanhamento de adolescentes em vulnerabilidade social são exemplos de como a psicologia chega ao cotidiano das comunidades.

Estudos indicam que a escuta qualificada e o apoio psicológico reduzem índices de depressão pós-parto (Cerávolo & Suassuna, 2022), melhoram adesão a tratamentos médicos e fortalecem redes de apoio social. Aqui, o psicólogo atuante não é apenas clínico, mas também educador, articulador e promotor de saúde coletiva.

5. Psicologia, justiça e segurança pública

A interface entre psicologia e justiça também revela a importância de estar presente no cotidiano. Psicólogos atuam em processos de mediação, em perícias de família, em medidas socioeducativas e em casos de violência doméstica.

Na segurança pública, a psicologia contribui tanto no atendimento a vítimas quanto no suporte emocional a policiais e bombeiros. Estudos demonstram que programas de cuidado psicológico para profissionais da linha de frente reduzem sintomas de estresse pós-traumático e fortalecem a resiliência (Violanti et al., 2017).

O psicólogo atuante, nesse contexto, se torna um mediador entre lei, sofrimento e cuidado, ajudando a humanizar instituições que muitas vezes funcionam de maneira rígida e punitiva.

6. Cultura, comunidade e vínculos sociais

Não podemos esquecer que a psicologia também está presente na cultura. Grupos de teatro, projetos musicais, oficinas comunitárias e intervenções artísticas funcionam como espaços de cuidado psíquico e social.

A Gestalt-terapia, ao valorizar a criatividade e o contato autêntico (Zinker, 1977), encontra aqui um terreno fértil. A arte e o lúdico permitem expressar emoções, ressignificar experiências e criar novas formas de convivência. O psicólogo atuante, inserido nesses projetos, promove saúde mental de modo acessível, coletivo e inovador.

7. O psicólogo atuante como agente de transformação

Ser um psicólogo atuante é compreender que a psicologia não é privilégio, mas direito. É ocupar espaços sociais, reconhecer demandas reais e dialogar com outras áreas: medicina, pedagogia, direito, políticas públicas.

Dr. Danilo Suassuna lembra: “o psicólogo atuante é aquele que compreende que seu trabalho não se restringe ao consultório — ele se amplia no campo social, na saúde, na educação, na justiça, na segurança, na cultura, no trabalho.”

Essa postura exige coragem, criatividade e ética. Coragem para sair da zona de conforto, criatividade para adaptar práticas a contextos diversos e ética para garantir que a psicologia esteja a serviço da vida, e não de interesses restritos.

Conclusão: democratizar a psicologia é democratizar a vida

Trazer a psicologia para o cotidiano é romper com a lógica de exclusividade. Não se trata apenas de oferecer consultas particulares, mas de fazer a psicologia circular em espaços coletivos, públicos e privados.

Quanto mais a psicologia se fizer presente no dia a dia das pessoas, menos será vista como privilégio e mais se consolidará como direito fundamental — tão essencial quanto a educação, a saúde física ou a segurança.

A psicologia no cotidiano é, portanto, o caminho para construir uma sociedade mais justa, saudável e humana.

Referências

  • Cerávolo, K., & Suassuna, D. (2022). Todo parto importa: assistência psicológica no parto. Editora Suassuna.
  • Frankl, V. (1989). Em busca de sentido. Vozes.
  • Heller, A. (1970). O cotidiano e a história. Paz e Terra.
  • Marturano, E. M., & Loureiro, S. R. (2003). Psicologia escolar: avanços e perspectivas. Psicologia em Estudo, 8(2), 45-52.
  • WHO (2022). Mental health and work. World Health Organization.
  • Winnicott, D. W. (1975). O ambiente e os processos de maturação. Artmed.
  • Zinker, J. (1977). Creative process in Gestalt therapy. Vintage Books.
  • Violanti, J. M., et al. (2017). Police trauma and resilience. Journal of Police and Criminal Psychology, 32(4), 305–318.

Compartilhe esse conteúdo:

Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

Acesse o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8022252527245527