

“Propaganda I’m Not Falling For” e a descompressão psíquica no tempo da positividade tóxica
A frase “Propaganda I’m Not Falling For” — ou, em tradução livre, “Propaganda na qual eu não caio mais” — tornou-se um fenômeno recente no TikTok. Em vídeos curtos, usuários listam comportamentos, frases e promessas que, embora tivessem um dia seduzido, hoje são vistos com ceticismo ou até ironia. “Acordar às 5 da manhã vai mudar sua vida”, “Você só precisa querer muito para conseguir tudo”, “Ser mãe é o maior amor do mundo e ponto final”. A fórmula é simples: sobre uma trilha sonora nostálgica, os vídeos desmontam ideias que um dia pareceram verdades absolutas.
Mas o que está por trás desse movimento aparentemente leve e divertido?
O peso de uma vida ideal vendida como regra
Vivemos tempos em que o discurso do “sucesso” é onipresente. É como se houvesse um roteiro universal para a felicidade: produtividade máxima, corpo perfeito, filhos bem-comportados, rotina matinal impecável, alimentação orgânica, uma carreira de destaque e, claro, equilíbrio emocional. Esses discursos, muitas vezes disfarçados de inspiração, funcionam como pressões normativas internalizadas.
A psicologia social já alertava: quanto mais internalizamos um ideal inatingível, mais sentimos vergonha por não alcançá-lo. Como explica Brené Brown, a vergonha não vem do erro em si, mas da sensação de que “há algo errado comigo por não ser como dizem que eu deveria ser”.
A Gestalt-terapia, por sua vez, aponta que esse tipo de funcionamento é típico de um contato interrompido, em que o sujeito adapta-se excessivamente ao ambiente, perdendo a capacidade de reconhecer suas necessidades reais — o que Perls, Hefferline e Goodman (1951) chamaram de confluência. Nesse estado, não há clareza do “eu” e do “ambiente”, apenas uma fusão que sufoca a espontaneidade e o ajuste criativo.
A descompressão como forma de resistência
Essa tendência do TikTok pode ser lida como uma forma simbólica de restaurar o contato, ao nomear aquilo que não serve mais, e ao fazer isso com humor. Trata-se de uma espécie de descompressão psíquica coletiva diante da sobrecarga de exigências externas e auto impostas.
É o que observamos, por exemplo, quando um vídeo começa com:
“Propaganda na qual eu não caio mais: que meditar todos os dias me faria menos ansiosa”.
e termina com alguém rindo de si, ou apenas se permitindo o descanso sem culpa.
Essa comicidade é uma forma legítima de autorregulação organismíca — conceito central na Gestalt —, em que o sujeito volta-se para o que de fato sente, e não para o que acha que deveria sentir. Ao romper com roteiros engessados, essas pessoas se autorizam a sentir raiva, frustração, preguiça, dúvida… e encontram nisso não desvio, mas caminho.
Da positividade tóxica ao direito ao real
O termo positividade tóxica tem sido usado para descrever o imperativo de estar sempre bem, custe o que custar. Essa lógica gera o que Fritz Perls chamaria de introjecção — quando engolimos crenças ou regras sem digerir, sem questionar, sem fazer contato com o que realmente ressoa.
“Ser feliz o tempo todo”, “agradecer até pelo sofrimento”, “dar conta de tudo com um sorriso no rosto”: essas máximas não convidam à saúde, mas à desconexão interna. A Gestalt-terapia, ao contrário, convida à presença. Ao contato com o que é. Ao aqui-agora da experiência.
Nessa perspectiva, a tendência “Propaganda I’m Not Falling For” é uma forma moderna — e coletiva — de colocar um limite: basta de engolir verdades prontas. E isso já é um passo na direção do ajustamento criativo.
A maior regra da vida é se conhecer
Diante de tantas regras vendidas como fórmula universal, talvez a única que valha seja esta:
a maior regra da vida é se conhecer.
Se conhecer não é construir uma versão ideal de si mesmo — mas sim sustentar um campo onde pensamentos, sentimentos e desejos possam emergir com clareza. Só a partir dessa consciência é possível fazer escolhas autênticas. Como nos lembra Laura Perls, o objetivo da Gestalt não é a adaptação ao mundo, mas a capacidade de responder criativamente a ele a partir do que se é.
Conhecer-se é, portanto, um ato político. É dizer “não” ao que oprime, e “sim” ao que faz sentido. É o movimento de sair da confluência e reconstituir o self em sua inteireza.
Todos Cuidados: um espaço para escuta e reconexão
O projeto Todos Cuidados, do Instituto Suassuna, nasce exatamente desse princípio: ninguém precisa enfrentar o mundo sozinho — muito menos fingir que está bem o tempo todo. Acolher alguém em sofrimento não é tentar consertá-lo, mas escutá-lo com presença, cuidado e humanidade.
O Todos Cuidados oferece suporte psicológico acessível e contínuo, com profissionais capacitados que atuam a partir de vínculos reais. É uma clínica viva, sensível às dores do tempo presente, e comprometida com aquilo que a Gestalt-terapia nos lembra diariamente: todo contato verdadeiro é também um convite à transformação. https://institutosuassuna.com.br/todos-cuidados/
Porque seguir mais uma regra e escutar quem se é…
A gente escolhe o segundo caminho. Sempre.