Por que é tão desafiador para a nova geração, seja qual for a sigla ou letra pela qual a denominamos, desejar, querer ou buscar algo?
Neste texto, exploramos a intrigante questão da falta de vontade, que transcende a simples determinação do que se deseja. O que captura nossa atenção é a aparente relutância das pessoas em se questionar ou se importar com seus verdadeiros desejos ou aspirações.
Abordaremos a questão da falta de vontade, destacando três aspectos principais: a angústia existencial de Sartre, que mostra como o peso da liberdade e responsabilidade pode levar à inação; a sensação de vazio ou falta de significado, que pode causar apatia; e a má-fé, o autoengano sobre a própria liberdade, que impede as pessoas de reconhecerem e perseguirem seus verdadeiros desejos. Esses fatores contribuem para a falta de vontade em engajar-se profundamente com as próprias aspirações e escolhas de vida.
Sem filosofar muito, Aristóteles sugere que o desejo e a razão são interdependentes, trabalhando juntos para uma vida virtuosa. Em contraste, Sartre destaca a liberdade e a escolha individual, onde o desejo reflete um vazio existencial, e a vontade se traduz em assumir responsabilidades pelas próprias escolhas.
A conexão entre as visões de Aristóteles e Sartre e a percebida falta de vontade nas pessoas hoje pode ser compreendida, ao menos para nós, à luz de suas respectivas filosofias sobre desejo, vontade, liberdade e responsabilidade.
A abordagem de Aristóteles sobre a vontade e o desejo como partes de uma natureza racional e ética focada no florescimento e na virtude sugere que a falta de vontade pode resultar de um desalinhamento ou falta de desenvolvimento das virtudes que orientam as ações em direção a um bom viver.
Sob a ótica do existencialismo sartreano, a liberdade existencial e a responsabilidade individual implica que a falta de vontade pode ser vista como uma crise de sentido, onde a angústia, o absurdo e a má-fé desempenham papéis significativos. Em um mundo onde o significado não é dado, mas deve ser criado, as pessoas podem experimentar a falta de vontade como uma manifestação de sua luta com a liberdade e a responsabilidade inerentes à existência.
A falta de vontade e a busca por significado
Angústia Existencial: Para Sartre, a angústia não é simplesmente um estado emocional, mas uma condição fundamental da existência humana que decorre do reconhecimento da liberdade e da responsabilidade. A falta de vontade pode surgir quando as pessoas se sentem sobrecarregadas pela angústia da escolha e pela carga da liberdade, levando-as a evitar decisões e compromissos significativos.
Falta de Significado: A sensação de vazio ou falta de significado pode levar à apatia ou falta de vontade, pois as pessoas podem achar difícil encontrar motivação em um mundo percebido como absurdo ou desprovido de propósito inerente.
Má-fé: A má-fé, ou o ato de enganar-se sobre a própria liberdade e capacidade de escolha, pode ser uma forma de escapar da angústia existencial. Ao negar sua liberdade e responsabilidade, as pessoas podem se refugiar em rotinas confortáveis e evadir-se da necessidade de tomar decisões que conferem sentido e direção à vida, resultando em uma falta de vontade para se envolver plenamente na existência.
Encontrar-se no vazio do existir
A ideia de se encontrar no vazio do existir sugere uma necessidade de enfrentar e abraçar a falta inerente à condição humana. Isso implica reconhecer e aceitar a liberdade e a responsabilidade que vêm com a existência, e usar essa compreensão como uma base para a ação e o compromisso pessoal. A falta de vontade, vista dessa maneira, não é apenas um problema a ser resolvido, mas um sinal de que pode haver uma desconexão mais profunda com os aspectos fundamentais da existência.
Longe de um paralelo filosófico entre dois grandes filósofos, ressaltamos que tanto Aristóteles quanto Sartre oferecem insights valiosos sobre a natureza da vontade e do desejo, que podem ajudar a compreender a falta de vontade nas pessoas hoje.
Enquanto Aristóteles enfatiza a importância da harmonização do desejo com a razão e a virtude para o florescimento humano, Sartre destaca a liberdade e a responsabilidade individuais na criação de significado e na definição da própria existência. Ambas as perspectivas sugerem que enfrentar e integrar os desafios associados à vontade e ao desejo é crucial para viver uma vida autêntica e significativa.
Voltando ao começo
Vamos dar uma olhada, mesmo que superficial, ao que nosso mestre Aristóteles diz a esse respeito! Assim, podemos apontar que Aristóteles, de fato, via o desejo como uma parte inerente da natureza humana, que possui a capacidade de ser influenciada pela razão, mas que também tem seus próprios impulsos. Ele reconheceu que o desejo não é totalmente governável pela razão, nem completamente fora de controle, mas sim que existe um equilíbrio dinâmico entre os dois. [ particularmente, adoramos essa ideia de dinamicidade, uma vez que equilíbrio, em si, deve ser muito sem graça, não é?)
Neste contexto, o desejo, para Aristóteles, não é intrinsecamente irracional ou antiético; em vez disso, é uma faculdade que pode ser moldada e harmonizada com a razão. A ética aristotélica busca, portanto, uma integração entre desejo e razão, onde a virtude é alcançada através do cultivo de bons hábitos que alinham o desejo com o bem racionalmente discernido.
Ao considerar o desejo como educável, Aristóteles destaca a importância da formação ética e do desenvolvimento do caráter, sugerindo que através da educação e da prática podemos aprender a desejar o que é verdadeiramente bom e benéfico para nós. Isso nos leva à concepção de que o desenvolvimento moral não é apenas uma questão de repressão dos desejos ou de sua submissão cega à razão, mas de cultivar uma relação harmoniosa entre eles, onde o desejo pode ser guiado para apoiar a realização do bem e a excelência humana.
Portanto, a perspectiva aristotélica oferece uma visão “equilibrada” e aponta para a dinamicidade da natureza humana, onde o desejo e a razão são vistos como interdependentes e capazes de trabalhar juntos para alcançar a vida virtuosa, a eudaimonia. Isso reflete uma abordagem ética que valoriza tanto a dimensão racional quanto a emotiva do ser humano, reconhecendo a complexidade e a plasticidade de nossa natureza.
Desejo & Vontade
Nosso autor, Aristóteles, faz uma distinção entre desejo (orexis) e vontade (proairesis ou escolha deliberada). Para ele, estas são facetas diferentes da psique humana que desempenham papéis distintos no comportamento e na tomada de decisões.
Desejo (orexis): Segundo Aristóteles, o desejo é uma inclinação natural que pode ser direcionada para diferentes objetos, bons ou maus. Ele está presente em todos os seres vivos e motiva a ação em direção a algo que é percebido como bom. O desejo não é necessariamente racional e pode ser influenciado por impulsos e apetites físicos. Aristóteles identifica diferentes tipos de desejo, incluindo o desejo físico (epithumia), o desejo emocional (thumos), e o desejo racional (boulêsis), cada um relacionado a diferentes partes da alma.
Vontade (proaíresis): A vontade, ou escolha deliberada, é um conceito que Aristóteles introduz para explicar as ações humanas racionais e intencionais. Diferente do desejo, a vontade envolve raciocínio e deliberação; é a capacidade de escolher com base na reflexão sobre o que é bom e desejável a longo prazo. A vontade é característica dos seres racionais e é o resultado de uma deliberação sobre os meios para alcançar um fim considerado bom. Portanto, enquanto o desejo pode ser impulsionado por impulsos imediatos e pode ser irracional, a vontade é uma capacidade racional que visa a ação ética é considerada.
A distinção entre desejo e vontade é fundamental na ética aristotélica, pois reflete a dualidade da natureza humana: somos seres que sentem desejos, mas também somos capazes de raciocínio e deliberação. Aristóteles argumenta que uma vida virtuosa envolve a harmonização do desejo com a razão, onde a vontade desempenha um papel crucial na moderação dos impulsos e na orientação da ação em direção ao bem.
Essa abordagem oferece um quadro para entender a complexidade do comportamento humano, enfatizando a importância de desenvolver a virtude (arete) como um meio de alinhar o desejo com os princípios racionais e éticos, alcançando assim a eudaimonia, ou o florescimento humano.
Sartre
Jean-Paul Sartre, um filósofo existencialista francês, oferece uma perspectiva significativamente diferente da de Aristóteles sobre questões de desejo e vontade. Sartre coloca uma ênfase forte na liberdade e na escolha individual, argumentando que os seres humanos são radicalmente livres e responsáveis por suas próprias escolhas e ações.
Para Sartre, a vontade não é apenas uma deliberação racional sobre meios e fins, como em Aristóteles, mas uma expressão da liberdade existencial. Ele argumenta que os indivíduos são condenados a ser livres, no sentido de que não podem escapar da responsabilidade de escolher. Em seu marco teórico, não existe uma essência humana pré-determinada ou uma natureza intrínseca que guie o desejo e a vontade; em vez disso, a existência precede a essência, o que significa que as pessoas primeiro existem, encontram-se no mundo, e só então definem sua essência através de suas escolhas e ações.
Desejo em Sartre
O desejo, para Sartre, está frequentemente ligado à sua concepção de falta (manque). Ele vê o desejo como uma manifestação do vazio ou da falta que caracteriza a condição humana. Desejar algo é reconhecer uma falta desse algo na própria existência, e é essa falta que motiva o indivíduo a agir. No entanto, o desejo nunca é completamente satisfatório porque, assim que um desejo é satisfeito, outro surge, refletindo a incessante busca humana por um significado ou plenitude que é, em última análise, inatingível.
Vontade em Sartre
Em relação à vontade, Sartre enfatiza a escolha e a responsabilidade. A vontade não é apenas uma deliberação interna, mas uma ação que projeta o indivíduo para o futuro, criando sua própria essência e identidade. Sartre rejeita a ideia de que as ações humanas são determinadas por fatores externos ou pela natureza; em vez disso, ele argumenta que as pessoas têm a liberdade de escolher seus caminhos, e com essa liberdade vem a angústia da escolha.
Um olhar!
Enquanto Aristóteles vê a vontade e o desejo como partes integradas de uma natureza racional e ética que busca o florescimento e a virtude, Sartre posiciona esses conceitos dentro de um quadro de liberdade existencial, onde a escolha individual e a responsabilidade são fundamentais. A visão de Sartre é mais centrada na autonomia do indivíduo e na contingência da existência, enfatizando que somos autores de nossas vidas através de nossas escolhas e ações.
Existir?
Para Jean-Paul Sartre, o conceito de “existir” é central em sua filosofia existencialista, que é articulada em torno da ideia de que “a existência precede a essência”. Isso significa que, para os seres humanos, não há natureza inerente ou essência pré definida que determina o que eles são ou como devem agir. Em vez disso, os indivíduos primeiro existem, encontram-se lançados em um mundo sem um propósito ou significado inerente, e só então definem sua essência por meio de suas ações e escolhas.
Existência sem Essência Pré Definida
No pensamento de Sartre, “existir” implica que a pessoa é primeiramente um ser-no-mundo, um ser consciente e ativo, sem uma essência fixa ou um destino predeterminado. Isso contrasta com objetos inanimados, cuja essência (o que eles são) precede sua existência (o fato de eles estarem lá). Por exemplo, uma cadeira é feita com um propósito específico em mente; sua essência (ser um objeto para sentar) precede sua existência. Humanos, por outro lado, simplesmente existem e devem criar sua própria essência através de suas escolhas e ações.
Liberdade e Responsabilidade
“Existir” em termos sartreanos também significa confrontar a liberdade absoluta e a responsabilidade. Como seres livres, as pessoas têm a capacidade e a responsabilidade de moldar suas próprias vidas e identidades. Sartre argumenta que somos radicalmente livres, o que significa que, exceto nas circunstâncias mais extremas, sempre temos a capacidade de escolher como responder às situações. Essa liberdade é acompanhada por uma profunda responsabilidade, pois somos inteiramente responsáveis por nossas ações e por dar sentido à nossa existência.
Consciência e Subjetividade
Para Sartre, existir também envolve uma consciência aguda da própria subjetividade e da relação com o mundo. Ele introduziu os conceitos de ser-para-si (être-pour-soi) e ser-em-si (être-en-soi) para diferenciar a consciência reflexiva e a existência objetiva. Seres humanos, como seres para-si, são capazes de reflexão e têm a capacidade de se perceber e perceber o mundo ao seu redor, ao contrário de objetos, que são ser-em-si e existem sem consciência.
Angústia, Absurdo e Má-fé
Finalmente, “existir” em Sartre está ligado à experiência da angústia, do absurdo e da má-fé. A angústia surge da liberdade e da responsabilidade de fazer escolhas significativas. O absurdo refere-se à falta de sentido inerente no mundo, à discrepância entre nossas buscas por significado e a indiferença do universo. Má-fé é o ato de negar a própria liberdade e responsabilidade, mentindo para si mesmo sobre a própria capacidade de escolher e mudar.
Em resumo, existir, para Sartre, é navegar a condição humana de liberdade, responsabilidade, consciência e escolha, em um mundo sem significado preexistente, onde cada pessoa deve criar seu próprio sentido e definir sua essência através de suas ações.
São grifos e ideias nossas, esperamos que contribua a algo ou “alguens”!
Obrigado pelo seu tempo
Ricardo REuters
Dr. Danilo Suassuna