Em 1949 impulsionado por sua leitura da “Estruturas elementares de parentesco”, de Claude Lévi-Strauss, Lacan começa a dar corpo à sua noção de simbólico, sugerindo uma nova concepção da alteridade e de intersubjetividade que desembocaria na invenção do termo “grande Outro” e que se distanciaria radicalmente de todas as concepções pós-freudianas da relação de objeto que estavam em vigor na época. Além das representações do eu, especulares ou imaginárias, o sujeito é determinado, segundo Lacan, por uma ordem simbólica designada como “Lugar do Outro”, perfeitamente distinta do que é do âmbito de uma relação com o outro.
A antropologia social de Lévi-Strauss e a linguística moderna de Jakobson acenam com a possibilidade de encarar o conceito de inconsciente enquanto uma forma, enquanto algo estruturado por leis de articulação, estruturado pelas mesmas categorias com que a linguagem encadeia seus símbolos, seus signos, e seus significantes.
A aposta de Lacan era a do “retorno a Freud”: retornar ao caminho que Freud havia estabelecido ao perceber a indiscutível influência que o simbólico exerce sobre a constituição do humano e como a linguagem lhe serve não só como um mediador com o mundo, mas também, como essa relação com o mundo é, por sua vez, estruturada a partir de um modo de apreensão e assimilação inconsciente calcada nos mesmos processos encontrados na linguagem.
O inconsciente, marca uma inovação sem precedentes na história do pensamento humano. Depois de Freud, a razão não seria mais a mesma. Não se trata somente de dizer que o inconsciente é um pensamento sem consciência, mas, muito mais do que isso, Freud revelaria que o sujeito pensa no inconsciente: “… penso onde não sou, logo sou onde não penso”. É a subversão do cogito cartesiano, e uma subversão de toda ideia de subjetividade da modernidade. Sua noção de um inconsciente estruturado como uma linguagem possibilitará formular a ideia de uma subjetividade discursiva, de um sujeito no intervalo entre dois significantes, mais do que isso, de um sujeito como efeito de um discurso.
O ser falante está, portanto, atrelado a um discurso do qual ele é apenas efeito. Não sustentamos um discurso, somos sustentados por ele. O sujeito é suposto, não suporte. É efeito lógico, não causa.
Podemos dizer que esta noção de sujeito conduzirá Lacan durante um bom tempo nos avanços de seu ensino. Ocorre que não podemos pensar em discurso e em linguagem em Lacan sem pensarmos em dois conceitos fundamentais de seu aparelho teórico, o abjeto a e o Gozo. Mais além da lei simbólica está o gozo. Isso promove uma mudança no conceito freudiano de repetição. A partir de agora, não se trata mais da repetição do significante, mortificante, mas da repetição do gozo. Temos então um sujeito que é efeito de significação, é um intervalo entre dois significantes (S1-$-S2). Mas essa cadeia significante só se estabelece na medida em que há um gozo, não-simbolizável, um resto que não se significa, que ordena esta cadeia. Entre a significação e o gozo: eis aí o lugar conflituoso da constituição do ser falante.
Autor: Emmanuel Nunes de Mello
Psicólogo e psicanalista com pós-graduação em filosofia pela UFSCar. Atua também como clínico e como pesquisador na área de toxicomania e na interlocução entre a psicanálise, filosofia e as patologias do social.
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