Narcisista

  • post publicado em 15/08/24 às 17:50 PM
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 O narcisista está feliz?

Edson Manzan Corsi

Psicanalista clínico, doutor em Estudos da Tradução (UFSC), escritor, autor de dezenas de livros, tanto técnicos quanto artísticos. (edsonmanzan@gmail.com)

Hoje, na mídia em geral, nas redes sociais, nas conversas casuais, privadas ou em ambientes de socialização, muito se fala sobre “narcisismo”, ou que tal ou qual pessoa seria “narcisista”. Sem adentrar muito no âmbito estritamente técnico desse conceito, estabelecido, no campo da psicologia, pelo criador da psicanálise: Sigmund Freud; e pensando no que se diz, pelo senso comum mesmo, acerca dessa qualificação, podemos nos perguntar: o que seria pertinente pensar sobre o caso? O “narcisista”, descrito pelas pessoas em geral, seria alguém “cheio de si”, com baixo ou nenhum interesse por assuntos, ou até conquistas, de outras pessoas, não o incluindo de alguma forma; com dificuldade de vivenciar empatia, arrogante, em sua postura, maneira de falar de si, exaltar-se, e de julgar os outros – e educado e formal somente quando isso lhe convém. Muito se diz que essa pessoa teria grande autoestima, amar-se-ia mais do que seria comum, e estaria mais contente consigo mesma, e até se sentindo mais realizada, no mundo, que o geral de nós, meros mortais. Porém, as coisas não são bem assim. A arrogância, por exemplo, constitui um mecanismo de defesa, no geral até bem tosco, mediante o qual o sujeito tenta se exaltar, colocando-se acima dos sentimentos e vivências que lhe são relatadas, dizendo, por exemplo, que tal coisa não acontece com ele, que sentir-se de uma ou outra forma, em algum contexto, seria fraqueza, e quem é forte não o faria, ou que superaria situações de modos muito mais práticos e eficientes se comparado aos demais. Trata-se, assim, de uma defesa contra a condição humana mesma, à qual todos estamos submetidos, e de onde é inescapável.                                                                                                                       

É importante vermos, em um panorama sobre o tema presente, a questão da ausência de empatia como fuga dos sentimentos, dos próprios afetos, capacidade de amar, envolver-se com alguém, correr riscos afetivos. Aqui também comparece, portanto, uma defesa contra o expor-se, nas relações, na vida, na lida consigo mesmo… Defesa que tende a ter sido formada contra alguma experiência emocional traumática, da qual o sujeito, como se pode perceber por sua constante fuga da própria condição, nunca se recuperou. Isso pode gerar um vazio existencial gigantesco, proveniente de dor psíquica, e um empobrecimento extremo da intensidade do viver, impossibilidade de aprender com o experenciado e, em decorrência, crescer como pessoa, amadurecer.                                                                       

Outro ponto fundamental está no isolamento exagerado, e no esquivar-se do que não diga respeito a si. Aqui, age uma defesa intensa contra a própria fragilidade diante das diferenças, do não ser o centro; pode estar operando então uma autoestima muito precária, que precisa o tempo todo ser alimentada, inflada, referida, sustentada. Tornar-se sempre o centro demonstra, na verdade, uma fragilidade egoica bem considerável, além da dificuldade flagrante de lidar com a frustração; algo essencial para que possamos bem viver, trabalhar, e obter o mínimo de adequação para nos relacionarmos e dialogarmos. 

Em todo caso, os mecanismos de defesa, conforme descritos por Freud, e muito bem delineados na obra de Anna Freud, cujo título justamente é O ego e seus mecanismos de defesa, perpassam todos os tipos de personalidade, ou caráter, se nos referirmos ao psicodiagnóstico. Ou seja: cada tipo de personalidade possui os mecanismos de defesas próprios que lhe moldam e estão na base de seu funcionamento. Sendo assim, o que hoje se convencionou, no senso comum, chamar de “narcisismo”, pode se referir a vários e diferentes mecanismos defensivos, de diferentes tipologias de caráter, ou personalidade, inclusive a casos passíveis de serem bem graves, de embotamento afetivo e distorção da realidade, e, consequentemente, da relação com ela. Muita frieza e isolamento são alertas.                                                           

Então, quando atribuímos valor a tais aspectos e posturas, caímos em um engodo terrível, pois o tão chamado narcisista não está feliz. E tem dificuldades pessoais muito maiores do que se costuma imaginar. 

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Pós doutorando em Educação, Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela PUC-GO. Especialista em Gestalt-terapia pelo ITGT – GO. Foi professor da PUC-GO e do ITGT-GO entre os anos de 2006 e 2011.

É CEO, membro fundador e professor do Instituto Suassuna (IS-GO) e membro do Conselho Consultivo da Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies (RAG), além de consultor Ad – hoc da Revista em Psicologia em Revista (PUC-Minas).

É autor dos livros: – Histórias da Gestalt – terapia no Brasil – Um estudo historiográfico – Organizador do livro Renadi: a experiência do plantar em Goiânia – Organizador do livro Supervisão em Gestalt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia.