Menos Selfie, Mais Escuta: A Psicologia Como Espaço de Transformação

  • post publicado em 22/05/25 às 10:27 AM
  • Tempo estimado de leitura: 6 minutos

 

Menos Selfie, Mais Escuta: A Psicologia Como Espaço de Transformação

Menos selfie, mais escuta. A psicologia não é palco para o ego, é um espaço para a relação verdadeira, ética e transformadora. Nosso compromisso como psicólogos não é com a performance, mas com a presença. Não é com a imagem perfeita, mas com a escuta real, profunda e ética.

Vivemos em uma era onde a visibilidade digital tornou-se uma extensão quase inevitável da prática profissional. Psicólogos, terapeutas, psiquiatras e outros profissionais da saúde mental encontraram nas redes sociais um novo espaço para divulgar seu trabalho, alcançar novos públicos e democratizar o acesso à informação. No entanto, nesse movimento legítimo, algo se perdeu — ou melhor, algo foi deslocado: o foco.

Durante esse texto, quero te convidar a refletir sobre o que realmente estamos mostrando nas redes, na clínica, e até nas nossas relações institucionais. Estamos destacando a psicologia em sua potência? Estamos realmente abrindo espaço para que o cliente se revele? Ou estamos, ainda que inconscientemente, trocando o lugar do outro pelo nosso reflexo no espelho digital?

E se você ficar comigo até o final deste texto, quero te oferecer uma dica prática, direta, que você pode aplicar hoje mesmo na sua atuação clínica para garantir que seu foco esteja, de fato, no cliente. Uma orientação que não está nos manuais, mas que nasce da prática e da ética do encontro humano.

A Exposição do Terapeuta: Estética x Ética

Você já deve ter percebido: é cada vez mais comum ver psicólogos mostrando seu dia a dia nas redes sociais. A decoração do consultório, o look do dia, o café da manhã, a caminhada ao sol, a agenda cheia, as frases motivacionais, o planner personalizado. Tudo isso aparece sob o rótulo da “vida do psicólogo” ou da “psicologia na prática”. Mas até que ponto isso comunica o que é de fato a psicologia?

O risco aqui é sutil, mas profundo. Quando a imagem pessoal ocupa o centro da comunicação, a psicologia se torna pano de fundo, um detalhe decorativo de uma marca pessoal. E, com isso, o olhar se desloca: sai da escuta e vai para a performance. Sai do cliente e vai para o terapeuta.

O que está em jogo não é a visibilidade — mas sim qual é o conteúdo dessa visibilidade. Mostrar-se humano, com dúvidas, aprendizados e experiência clínica real, pode fortalecer a relação terapêutica e o vínculo com a sociedade. Já posicionar-se como um ideal inatingível, pleno, inabalável, pode reforçar distâncias e alimentar fantasias de perfeição.

O Papel Ético do Terapeuta: Estar Presente, Não Ser Protagonista

A psicologia é, por essência, um campo de cuidado, escuta e relação. Como psicólogos, estamos a serviço da singularidade do outro — e não da nossa imagem. E é justamente por isso que precisamos refletir com profundidade sobre a nossa presença nos espaços digitais e presenciais.

O terapeuta não é guru. Não é líder espiritual. Não é modelo de comportamento. O terapeuta é um profissional que acompanha, que escuta, que se compromete com o processo do outro, reconhecendo seus próprios afetos, limites e possibilidades dentro do vínculo terapêutico.

Aqui vale lembrar Winnicott, que dizia: “O bom terapeuta está presente para que o cliente possa se tornar livre.” E presença, no sentido clínico, significa estar disponível para o outro, e não para a própria vaidade.

Transferência e Contratransferência: Ferramentas, Não Obstáculos

Na relação terapêutica, dois conceitos são fundamentais para entender porque o foco deve estar no cliente, e não no terapeuta: transferência e contratransferência.

Transferência

Freud foi quem nomeou primeiro. A transferência é o movimento inconsciente pelo qual o cliente projeta no terapeuta afetos, memórias, expectativas e medos que têm origem em suas experiências passadas — principalmente nas figuras parentais e de autoridade.

É como se, na figura do terapeuta, o cliente reencontrasse o pai rígido, a mãe ausente, o irmão protetor ou a professora exigente. Esse movimento é natural, esperável e, mais do que isso, é uma das principais ferramentas clínicas da psicoterapia. É por meio da transferência que o paciente revive padrões emocionais e relacionais que, muitas vezes, são invisíveis no dia a dia.

Contratransferência

Já a contratransferência, inicialmente vista por Freud como um obstáculo, passou a ser compreendida posteriormente como uma ferramenta diagnóstica valiosa. Ela diz respeito aos sentimentos que o terapeuta experimenta na relação com o paciente. Medo, raiva, ansiedade, proteção, impaciência — todos esses afetos, quando reconhecidos e elaborados, podem revelar muito sobre o campo relacional construído na clínica.

Mas veja: para que isso aconteça, o terapeuta precisa estar atento, presente e centrado no outro. Quando o terapeuta está absorvido pela própria imagem, preocupado com likes, seguidores ou autoafirmação, a escuta se fecha. A relação se empobrece. A clínica perde potência.

A Clínica como Campo Relacional

Ao compreendermos a clínica como um campo relacional, inspirado pelas abordagens fenomenológicas, gestálticas, psicodinâmicas e até pelas novas psicologias do self e da intersubjetividade, fica evidente que o terapeuta não é um observador neutro, mas parte viva da relação.

Isso não significa que o terapeuta deve se mostrar, expor sua vida, contar seus problemas ou tornar-se um amigo do paciente. Significa que sua presença é ativa, ética, técnica e relacional. O foco continua sendo o cliente — e tudo o que o terapeuta sente, percebe e vivencia dentro desse campo deve ser usado como ferramenta de escuta, não como autopromoção.

A Psicologia Como Atuação, Não Como Aparência

A atuação do psicólogo é ampla, profunda e socialmente transformadora. Nós atuamos na clínica, nas escolas, nas organizações, nos hospitais, nas políticas públicas, nas comunidades. Atuamos no sofrimento individual e nas dores coletivas. Atuamos na prevenção, na intervenção, na formação, na pesquisa, na escuta e no cuidado.

Reduzir essa atuação à estética de um consultório bonito ou a uma sequência de frases feitas nas redes sociais é empobrecer o nosso campo. Não é preciso renunciar às redes — o que precisamos é reposicionar a psicologia como ciência, como prática, como ética.

O bem potencial máximo da psicologia está justamente nisso: em permitir que o sujeito se veja, se reconheça e possa se transformar. E isso só acontece quando o terapeuta cria um espaço real para o outro aparecer — não para ele mesmo se exibir.

O Risco da Performance Terapêutica

Quando a clínica vira palco, o sofrimento vira roteiro. Quando o terapeuta vira personagem, o vínculo terapêutico vira cena. E o que era para ser um espaço de liberdade se transforma em um espaço de idealização.

Isso é grave. Porque muitas pessoas, ao verem esse terapeuta idealizado nas redes, passam a acreditar que a terapia é para quem já está bem, bonito, calmo e pleno. E não para quem está em frangalhos, em crise, com medo, com vergonha ou sentindo que não dá conta de mais nada.

Nossa responsabilidade é enorme. O modo como nos apresentamos comunica o que é — e o que não é — psicologia. E precisamos ser fiéis à complexidade da vida psíquica e à dignidade do sofrimento humano.

A Dica Essencial: Antes de Tudo, Pergunte-se

Como prometido, aqui vai uma dica simples, mas transformadora, para você aplicar imediatamente na sua prática:

Antes de qualquer postagem, fala pública, vídeo ou sessão, pergunte-se honestamente:

Isso que estou fazendo coloca o cliente no centro da minha atuação ou coloca meu ego no centro da cena?

Essa pergunta pode parecer simples, mas ela é profundamente ética. Ela te reconecta com o seu propósito, com sua escuta e com a essência da psicologia. Faça dela uma bússola. Use-a para ajustar a rota sempre que sentir que está se afastando do seu eixo clínico.

Reposicionando a Psicologia

A psicologia precisa de visibilidade, sim. Mas precisa de visibilidade com integridade. Precisamos mostrar ao mundo que a psicologia é uma ciência viva, capaz de transformar trajetórias, restaurar vínculos, ampliar possibilidades e gerar sentido.

Mostrar nossa atuação é essencial. Mostrar que atuamos com crianças, adolescentes, adultos, idosos. Mostrar que atuamos com saúde, educação, esporte, justiça, empresas, arte, cultura e políticas públicas. Mostrar que a psicologia é vastamente maior do que o consultório e muito mais potente do que qualquer estética.

Isso sim é fortalecer a profissão. Isso sim é ocupar o espaço público de forma ética, potente e transformadora.

Conclusão: Menos Selfie, Mais Escuta

Menos selfie, mais escuta. Menos ego, mais relação. Menos imagem, mais presença. A psicologia, em sua essência, é sobre o encontro, sobre o vínculo, sobre o cuidado ético com o outro.

Dr. Danilo Suassuna, psicólogo, doutor e pós-doutor em Psicologia, resume bem quando afirma:

“Nosso compromisso não é com a performance, mas com a presença. Não com o ideal, mas com o real. Não com o nosso ego, mas com o encontro.”

A clínica não precisa da sua perfeição. Ela precisa da sua escuta.

A psicologia não precisa da sua persona. Ela precisa da sua atuação.

E os seus clientes não precisam de mais um ideal a seguir — eles precisam de um espaço onde possam, enfim, ser quem são. Com dor, com desejo, com dúvida, com vida.

Essa é a nossa missão. E é por isso que seguimos. Escutando. Atuando. Transformando.

Compartilhe esse conteúdo:

Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

Acesse o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8022252527245527