Jogos de tabuleiro fortalecem as funções executivas

  • post publicado em 17/10/25 às 15:42 PM
  • Tempo estimado de leitura: 4 minutos

 

🧠 O cérebro brinca para aprender: como os jogos de tabuleiro fortalecem as funções executivas na infância

Série  Jogar é Cuidar – Instituto Suassuna | Projeto Todos Cuidados

🎲 Brincar é treinar o cérebro

Imagine uma criança diante de um tabuleiro: os olhos atentos, o raciocínio acelerado, o desejo de vencer e o desafio de esperar sua vez.

Por trás dessa cena simples, o que acontece é um dos exercícios mais completos que o cérebro infantil pode fazer.

Os jogos de tabuleiro são verdadeiros laboratórios cognitivos. Eles estimulam planejamento, atenção, memória e controle emocional — habilidades conhecidas como funções executivas, fundamentais para a aprendizagem, a convivência social e a saúde mental.

A neuropsicóloga Adele Diamond (2013) descreve as funções executivas como o “centro de comando do cérebro”, localizadas principalmente no córtex pré-frontal. É essa região que permite à criança pensar antes de agir, resolver problemas, lidar com frustrações e adaptar-se a novas situações.

E uma das formas mais eficazes de treiná-la é, justamente, brincando.

🧩 O que são funções executivas?

As funções executivas são um conjunto de processos mentais que regulam o comportamento. Elas se desenvolvem intensamente na infância e são preditores diretos do sucesso escolar e emocional (Zelazo, Blair & Willoughby, 2016).

As três principais são:

  1. Memória de trabalho – permite manter informações em mente enquanto realiza uma tarefa.
  2. Controle inibitório – ajuda a resistir a impulsos, esperar a vez e evitar respostas precipitadas.
  3. Flexibilidade cognitiva – possibilita mudar de estratégia e ver o problema por outro ângulo.

Essas funções não nascem prontas: elas são aprendidas e aperfeiçoadas pela experiência. E o jogo é um ambiente ideal para isso.

🎯 Jogos que treinam o cérebro

Cada tipo de jogo trabalha aspectos diferentes da cognição.

Alguns exemplos:

  • Xadrez e Damas: exigem antecipação de jogadas, planejamento e autocontrole;
  • Jogo da Vida e Banco Imobiliário: desenvolvem tomada de decisão e pensamento abstrato;
  • Ludo e Uno: reforçam a memória de regras e o controle da impulsividade;
  • Jenga e Twister: exigem atenção, coordenação motora e equilíbrio emocional.

Essas atividades ativam múltiplas redes cerebrais — do córtex pré-frontal (planejamento) ao hipocampo (memória), passando pelo sistema límbico (emoções).

Segundo Kouider et al. (2021), a prática regular de jogos com estrutura de regras melhora a conectividade entre áreas do cérebro envolvidas na autorregulação, o que se reflete em melhor desempenho escolar e comportamento social.

🧒 O papel da idade e do contexto

Durante a primeira infância (0–6 anos), o jogo simbólico e de faz de conta predomina. Já entre 6 e 12 anos, surgem os jogos com regras, que se tornam ferramentas centrais do desenvolvimento cognitivo (Piaget, 1932).

Nessa fase, a criança aprende a:

  • Seguir instruções complexas;
  • Antecipar consequências de suas ações;
  • Lidar com a espera e com a frustração;
  • Reconhecer erros e corrigi-los.

Vygotsky (1933/1991) descreveu esse momento como a transição da “zona de desenvolvimento proximal” — o ponto onde a criança, com apoio de um adulto ou parceiro, vai além do que conseguiria sozinha. O jogo é o cenário perfeito para esse avanço.

💡 Brincar para aprender: o que a ciência mostra

Estudos em escolas e clínicas mostram que o envolvimento regular com jogos de tabuleiro traz ganhos significativos:

  • Melhora da atenção sustentada e seletiva (Diamond, 2013);
  • Aumento da flexibilidade cognitiva (Best & Miller, 2010);
  • Redução de sintomas de desatenção e impulsividade em crianças com TDAH (Tamm et al., 2014);
  • Melhor desempenho em leitura e matemática, por favorecer planejamento e memória operacional (Blair & Razza, 2007).

O brincar, portanto, não é um intervalo entre os aprendizados — é parte essencial deles.

🧠 Jogo, emoção e cérebro: uma integração poderosa

Durante o jogo, o cérebro libera dopamina, neurotransmissor relacionado ao prazer e à motivação.

Isso significa que, ao brincar, a criança associa aprendizado a prazer — o que potencializa a memória e a persistência nas tarefas.

Além disso, o ambiente lúdico cria segurança emocional para o erro.

Enquanto na escola o erro muitas vezes é punido, no jogo ele é reinterpretado como parte da estratégia. Isso reduz a ansiedade e fortalece a autoconfiança.

Como lembra Joseph Zinker (1977), um dos teóricos da Gestalt-terapia, “a criatividade surge quando o medo do erro é substituído pela curiosidade.”

No jogo, essa curiosidade se manifesta livremente — e o cérebro aprende em estado de alegria.

👨‍👩‍👧 O papel dos pais e educadores

Quando adultos participam do jogo, o aprendizado se expande.

Pais, professores e terapeutas podem usar o momento de brincar para:

  • Estimular o raciocínio (“o que aconteceria se você fizesse outra jogada?”);
  • Ajudar a criança a nomear emoções (“você ficou bravo porque perdeu?”);
  • Reforçar o esforço, e não apenas o resultado (“você pensou antes de agir, isso foi ótimo”).

Essas interações criam um ambiente seguro para aprender — base da aprendizagem socioemocional, hoje reconhecida por programas educacionais no mundo inteiro.

🧭 O olhar da psicologia: do brincar ao cuidar

A psicologia contemporânea reconhece o brincar como um campo de expressão e regulação.

No contexto clínico, terapeutas utilizam jogos de tabuleiro como recurso para observar:

  • Padrões de atenção e concentração;
  • Estratégias de enfrentamento;
  • Nível de tolerância à frustração;
  • Relações de poder, cooperação e empatia.

Esses elementos ajudam a compreender o funcionamento global da criança e orientar intervenções mais assertivas.

No projeto Todos Cuidados, do Instituto Suassuna, psicólogos parceiros aplicam dinâmicas lúdicas e jogos cognitivos em oficinas com escolas e famílias, promovendo saúde mental e desenvolvimento integral.

🌱 Brincar é investir no futuro

Em um mundo cada vez mais acelerado e digital, o jogo de tabuleiro recupera um ritmo humano: o tempo da presença, do raciocínio e da convivência.

Ele ensina o cérebro a pensar, o corpo a esperar e o coração a lidar com as emoções — tudo isso dentro de uma experiência prazerosa e significativa.

O brincar é, ao mesmo tempo, aprendizagem, vínculo e cuidado.

E cuidar da mente das crianças é o que move o trabalho do Instituto Suassuna e do projeto Todos Cuidados, que conectam psicologia, educação e ciência para promover bem-estar e saúde mental em todas as fases da vida.

📚 Referências

  • Blair, C., & Razza, R. P. (2007). Relating effortful control, executive function, and false belief understanding to emerging math and literacy ability in kindergarten. Child Development, 78(2), 647–663.
  • Best, J. R., & Miller, P. H. (2010). A developmental perspective on executive function. Child Development, 81(6), 1641–1660.
  • Diamond, A. (2013). Executive functions. Annual Review of Psychology, 64, 135–168.
  • Kouider, S., et al. (2021). Neural correlates of game-based cognitive training. Frontiers in Human Neuroscience, 15, 742–758.
  • Piaget, J. (1932/1994). O juízo moral na criança. Summus.
  • Tamm, L., Nakonezny, P. A., & Hughes, C. W. (2014). An open trial of a metacognitive executive function training for youth with ADHD. Journal of Attention Disorders, 18(6), 551–563.
  • Vygotsky, L. S. (1933/1991). A formação social da mente. Martins Fontes.
  • Zelazo, P. D., Blair, C. B., & Willoughby, M. T. (2016). Executive function: Implications for education. NCER.
  • Zinker, J. (1977). Creative Process in Gestalt Therapy. Vintage.

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

Acesse o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8022252527245527