Jogo de tabuleiro

  • post publicado em 17/10/25 às 15:39 PM
  • Tempo estimado de leitura: 4 minutos

 

.🎲 Jogo de tabuleiro e desenvolvimento infantil: muito além da brincadeira

Em um tempo dominado por telas e estímulos digitais, os jogos de tabuleiro voltam a ocupar um espaço de destaque nas famílias, escolas e consultórios.

Mais do que simples entretenimento, eles são instrumentos riquíssimos para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças — e, quando utilizados de forma intencional, podem se tornar pontes poderosas entre pais e filhos.

🧠 1. O cérebro brinca para aprender

Segundo a neuropsicóloga Adele Diamond (2013), o jogo é um dos melhores contextos para o desenvolvimento das funções executivas — aquelas que controlam atenção, memória, autocontrole e planejamento.

Jogos de tabuleiro como xadrez, Uno, Ludo e Jenga exigem:

  • Planejamento e antecipação de jogadas;
  • Memorização de regras e estratégias;
  • Controle da impulsividade;
  • Flexibilidade cognitiva, ao adaptar-se às mudanças do jogo.

Essas competências sustentam a aprendizagem e a capacidade de resolução de problemas, fundamentais para o sucesso escolar e o equilíbrio emocional.

💬 2. O jogo como treino de linguagem e convivência

Para Vygotsky (1933/1991), é no brincar que a criança aprende as regras sociais e desenvolve a linguagem.

Ao jogar, ela precisa esperar sua vez, negociar, explicar, argumentar e lidar com frustrações — elementos que fortalecem tanto a comunicação quanto a empatia.

Bruner (1983) complementa essa visão ao afirmar que a linguagem se forma em contextos de interação significativa — e o jogo de tabuleiro é justamente isso: uma conversa com regras e emoções reais.

No projeto Falar para Seu Filho Ouvir, do Instituto Suassuna, trabalhamos esse mesmo princípio: a escuta, o diálogo e o tempo compartilhado como instrumentos de desenvolvimento emocional e linguístico.

Quando pais e filhos jogam juntos, eles constroem uma linguagem afetiva que ensina muito mais do que palavras.

❤️ 3. Viver emoções de forma segura

O tabuleiro é um pequeno espelho da vida: há vitórias, derrotas, desafios e recomeços.

Ao jogar, a criança aprende a lidar com a frustração, o desejo de vencer e a alegria da conquista, desenvolvendo uma resiliência emocional que se estende para fora do jogo.

Como destacou o pesquisador Brian Sutton-Smith (1997), o jogo cria um espaço simbólico onde a criança pode experimentar emoções intensas sem medo de punição ou perda real.

Esse é o campo perfeito para trabalhar autorregulação emocional, um dos focos dos atendimentos realizados pelo projeto Todos Cuidados, do Instituto Suassuna, que oferece apoio psicológico acessível a famílias e escolas.

⚖️ 4. Regras, ética e moralidade

Jean Piaget (1932/1994) via no jogo com regras um marco do desenvolvimento moral.

A criança deixa de agir de modo egocêntrico e passa a compreender que as normas são construídas coletivamente — e que só há jogo se houver respeito mútuo.

Aprender a jogar é também aprender a viver em sociedade:

  • Regras são combinadas e respeitadas;
  • Erros podem ser reparados;
  • Decisões podem ser negociadas.

O jogo, portanto, se torna um laboratório ético, onde a criança descobre o valor da justiça e da cooperação.

🧩 5. Jogo e cérebro: o que dizem as neurociências

Estudos recentes (Kouider et al., 2021) mostram que jogos de mesa ativam áreas do córtex pré-frontal e parietal, associadas à atenção, memória e tomada de decisão.

Além disso, estimulam a dopamina, neurotransmissor ligado à motivação e ao prazer de aprender.

Esses efeitos positivos explicam por que terapeutas e educadores vêm usando jogos como ferramenta de estimulação cognitiva, especialmente com crianças que apresentam:

  • TDAH (melhora de foco e controle inibitório);
  • TEA (treino de turnos e leitura social);
  • Dificuldades de aprendizagem (motivação e reforço positivo).

A ludicidade, como mostra Axline (1947), é a linguagem natural da criança — e uma das vias mais eficazes para expressão emocional e reconstrução do self.

🧒 6. O poder do jogo em família

Jogar em casa é mais do que preencher o tempo livre — é preencher o tempo de vínculo.

Pesquisas (Coyne et al., 2018) indicam que famílias que mantêm o hábito de jogar juntas apresentam maior coesão emocional e menor incidência de sintomas de ansiedade e depressão em crianças.

Dr. Danilo Suassuna ressalta que “ao jogar com seus filhos, os pais constroem pontes simbólicas de confiança e presença, mostrando que educar é também compartilhar o tempo e o afeto”.

Esse princípio norteia as ações do Falar para Seu Filho Ouvir, que busca resgatar o diálogo familiar como base da saúde mental infantil.

E quando o jogo se transforma em escuta, o brincar passa a ser também um cuidado — algo que se estende ao trabalho clínico do projeto Todos Cuidados, que acolhe famílias e profissionais da rede pública e privada.

🌱 7. Jogo como instrumento terapêutico e social

Na clínica infantil, os jogos de tabuleiro são amplamente usados como ferramentas de avaliação e intervenção.

Eles ajudam o psicólogo a observar:

  • O modo como a criança lida com a frustração;
  • Sua capacidade de seguir regras e cooperar;
  • Seus padrões de linguagem e atenção.

Mais do que isso, o jogo cria vínculo terapêutico — um espaço compartilhado onde o brincar se transforma em linguagem e expressão.

O projeto Todos Cuidados utiliza o jogo como um dos recursos em oficinas de saúde mental e educação emocional, promovendo espaços de convivência que integram crianças, pais e educadores.

🎯 Conclusão: brincar é um ato de cuidado

O jogo de tabuleiro é, antes de tudo, uma metáfora da vida.

Ao jogar, a criança aprende a esperar, pensar, sentir e se relacionar.

E ao jogar junto, a família aprende a escutar, compreender e se conectar.

Entre o brincar e o cuidar existe um elo profundo — o mesmo que o Instituto Suassuna fortalece por meio dos projetos Falar para Seu Filho Ouvir e Todos Cuidados, que unem psicologia, educação e afeto como caminhos para o desenvolvimento humano.

📚 Referências

  • Axline, V. M. (1947). Play Therapy. Boston: Houghton Mifflin.
  • Bowlby, J. (1982). Attachment and Loss. Basic Books.
  • Bruner, J. (1983). Child’s Talk: Learning to Use Language. Oxford University Press.
  • Coyne, S. M., et al. (2018). Family game night: associations with family functioning and well-being. Journal of Family Psychology, 32(8), 1083–1093.
  • Diamond, A. (2013). Executive functions. Annual Review of Psychology, 64, 135–168.
  • Kouider, S. et al. (2021). Neural correlates of game-based cognitive training. Frontiers in Human Neuroscience, 15, 742–758.
  • Landreth, G. L. (2012). Play Therapy: The Art of the Relationship. Routledge.
  • Piaget, J. (1932/1994). O juízo moral na criança. Summus.
  • Sutton-Smith, B. (1997). The Ambiguity of Play. Harvard University Press.
  • Vygotsky, L. S. (1933/1991). A formação social da mente. Martins Fontes.
  • Zelazo, P. D., Blair, C. B., & Willoughby, M. T. (2016). Executive function: Implications for education. NCER.

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

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