História da Gestalt: Estados Unidos e Europa

  • post publicado em 22/08/24 às 15:07 PM
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A história da Gestalt-terapia é fascinante, enraizada em diversas correntes filosóficas, psicológicas e científicas que convergiram no início do século XX. O desenvolvimento dessa abordagem terapêutica é marcado pela colaboração entre grandes pensadores que buscaram uma nova forma de entender a experiência humana, focando na percepção, na consciência e na totalidade do ser.

As Origens Filosóficas e Psicológicas da Gestalt

A Gestalt-terapia tem suas raízes em várias tradições filosóficas e psicológicas. Alguns dos principais influenciadores incluem:

1. Fenomenologia: A fenomenologia, desenvolvida por Edmund Husserl, enfatiza a experiência subjetiva direta e a “volta às coisas mesmas”. Na Gestalt-terapia, essa influência se reflete na ênfase na consciência presente e na exploração direta da experiência do cliente.

2. Psicologia da Gestalt: Originada no início do século XX na Alemanha, a psicologia da Gestalt, desenvolvida por figuras como Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler, focava em como as pessoas percebem padrões e totalidades ao invés de elementos isolados. Essa abordagem foi fundamental na formação dos princípios da Gestalt-terapia, que se concentra na percepção de totalidades e na importância do contexto na experiência humana.

3. Existencialismo: Filósofos como Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre influenciaram a Gestalt-terapia através de suas explorações da existência humana, liberdade e responsabilidade. A Gestalt-terapia incorpora esses conceitos ao enfatizar a autenticidade, a responsabilidade pessoal e a vivência plena do presente.

Fundação da Gestalt-terapia

A Gestalt-terapia foi formalmente desenvolvida por Fritz Perls, sua esposa Laura Perls, e Paul Goodman na década de 1940 e 1950. A publicação do livro “Gestalt Therapy: Excitement and Growth in the Human Personality” em 1951 marcou o nascimento oficial da abordagem.

1. Fritz Perls: Um psiquiatra e psicanalista alemão, Fritz Perls estudou sob a orientação de Karl Abraham e Wilhelm Reich. Insatisfeito com as limitações da psicanálise freudiana, ele começou a integrar conceitos da psicologia da Gestalt, fenomenologia e existencialismo para desenvolver uma nova abordagem terapêutica.

2. Laura Perls: Formada em psicologia e dança, Laura Perls trouxe uma sensibilidade especial para a terapia corporal e a vivência da experiência. Ela foi fundamental na aplicação dos conceitos gestálticos de forma prática e é creditada por manter e desenvolver a teoria após a morte de Fritz.

3. Paul Goodman: Um intelectual multifacetado, Goodman contribuiu significativamente para a formulação dos princípios teóricos da Gestalt-terapia, especialmente no que tange às suas aplicações sociais e políticas. Seu foco na integração entre o indivíduo e o ambiente social expandiu o escopo da terapia para além do consultório.

Expansão e Evolução da Gestalt-terapia

Após sua fundação, a Gestalt-terapia rapidamente se espalhou pelos Estados Unidos e, eventualmente, pelo mundo. A abordagem foi particularmente bem recebida na América do Norte durante as décadas de 1960 e 1970, em parte devido ao seu alinhamento com os movimentos contraculturais da época, que enfatizavam a liberdade pessoal, o autoconhecimento e o potencial humano.

Nos Estados Unidos, diversos institutos de Gestalt foram fundados, incluindo o Esalen Institute na Califórnia, que se tornou um importante centro para o desenvolvimento e a prática da Gestalt-terapia. 

Figuras como Isadore From, Richard Kitzler e Erving Polster também desempenharam papéis fundamentais na disseminação da abordagem.

Na Europa, a Gestalt-terapia encontrou terreno fértil na França, Itália e Alemanha. No entanto, devido às origens alemãs da psicologia da Gestalt e o trauma da Segunda Guerra Mundial, o crescimento inicial foi mais lento. A partir das décadas de 1980 e 1990, a Gestalt-terapia se estabeleceu como uma das abordagens terapêuticas mais respeitadas e praticadas.

A expansão e evolução da Gestalt-terapia nos Estados Unidos e na Europa é um capítulo fundamental na história dessa abordagem terapêutica, marcando sua transição de uma inovação teórica para uma prática amplamente reconhecida e respeitada. Este desenvolvimento não apenas consolidou a Gestalt-terapia como uma das principais abordagens psicoterapêuticas do século XX, mas também permitiu que ela se adaptasse e evoluísse em diferentes contextos culturais e profissionais.

A Expansão da Gestalt-terapia nos Estados Unidos

Anos 1950 e 1960: Primeiros Passos

Após a publicação do livro “Gestalt Therapy: Excitement and Growth in the Human Personality” em 1951, a Gestalt-terapia começou a ganhar notoriedade nos Estados Unidos, especialmente entre psicoterapeutas que buscavam alternativas à psicanálise tradicional. Os primeiros adeptos foram, em grande parte, terapeutas e intelectuais que se identificavam com os movimentos contraculturais emergentes, que promoviam a liberdade individual, a autenticidade e a exploração do potencial humano.

Nova York se tornou um dos primeiros centros de Gestalt-terapia. Fritz e Laura Perls estabeleceram um consultório em Manhattan, onde começaram a formar terapeutas e realizar workshops. Esse ambiente permitiu que a Gestalt-terapia florescesse, especialmente em meio a um público que estava em busca de novas formas de entendimento psicológico que valorizassem a experiência imediata e a autoexpressão.

Década de 1960: Esalen Institute e o Movimento Contracultural

A década de 1960 foi crucial para a difusão da Gestalt-terapia nos Estados Unidos, em parte devido à sua conexão com o Esalen Institute, fundado em 1962 na Califórnia. Esalen se tornou um centro vital para o movimento de potencial humano, atraindo uma variedade de pensadores, terapeutas e buscadores espirituais. Fritz Perls, em particular, tornou-se uma figura central em Esalen, onde ele liderou uma série de workshops intensivos que popularizaram a Gestalt-terapia.

O ambiente de Esalen, com sua ênfase em exploração experimental, criatividade e crescimento pessoal, era perfeitamente adequado à abordagem gestáltica, que promovia a consciência do “aqui e agora”, a exploração dos sentimentos e a integração mente-corpo. Muitos dos terapeutas formados em Esalen continuaram a promover a Gestalt-terapia em outras partes do país, solidificando sua posição nos EUA.

Anos 1970 e 1980: Consolidação e Diversificação

Nos anos 1970, a Gestalt-terapia passou por um processo de institucionalização nos Estados Unidos, com a criação de vários institutos de formação. Estes institutos começaram a padronizar a prática da Gestalt-terapia, estabelecendo currículos e certificações para terapeutas. Isso ajudou a legitimar a abordagem como uma forma de psicoterapia reconhecida e praticável.

Durante esse período, a Gestalt-terapia também começou a diversificar suas aplicações, expandindo para áreas como a terapia de grupo, a terapia familiar e a terapia organizacional

Terapeutas como Erving Polster e Miriam Polster contribuíram significativamente para essa diversificação ao desenvolver novas técnicas e abordagens dentro do arcabouço gestáltico.

A Evolução da Gestalt-terapia na Europa

Anos 1960 e 1970: Introdução e Adaptação

Enquanto a Gestalt-terapia se consolidava nos Estados Unidos, na Europa, o processo foi um pouco mais lento e diverso devido às diferenças culturais e ao contexto histórico do pós-guerra. A introdução da Gestalt-terapia na Europa se deu principalmente através de terapeutas que haviam estudado nos Estados Unidos ou em contato direto com Fritz e Laura Perls.

França e Itália foram dois dos primeiros países europeus a adotar a Gestalt-terapia. 

Em Paris, o terapeuta Serge Ginger desempenhou um papel crucial na promoção da Gestalt-terapia, fundando o Institut Français de Gestalt-thérapie (IFGT) em 1980. 

Na Itália, a Gestalt-terapia foi introduzida por Claudio Naranjo, um dos alunos de Fritz Perls, que adaptou a abordagem às necessidades culturais italianas.

Anos 1980 e 1990: Institucionalização e Expansão

A partir dos anos 1980, a Gestalt-terapia começou a se estabelecer mais firmemente na Europa, com a criação de várias escolas e institutos de formação.

Na Alemanha, o crescimento foi inicialmente mais lento devido ao impacto do nazismo na psicologia alemã e a desconfiança inicial com abordagens de origem alemã, como a psicologia da Gestalt. 

Contudo, a partir da década de 1980, a Gestalt-terapia começou a se expandir, especialmente em cidades como Berlim e Frankfurt.

Na Itália, figuras como Gianni Francesetti e Margherita Spagnuolo Lobb ajudaram a fundar instituições importantes, como o Istituto di Gestalt HCC Italy, que se tornaram centros de referência para a formação e prática da Gestalt-terapia na Europa.

Na Inglaterra, a Gestalt-terapia começou a ganhar destaque nas décadas de 1980 e 1990, com terapeutas como John Cleese, que popularizou a abordagem entre o público em geral. A Gestalt Association UK (GAUK) foi fundada em 1993, promovendo a formação de terapeutas e a realização de conferências sobre a prática gestáltica.

A Formação da Comunidade Europeia de Gestalt-terapia

A fundação da European Association for Gestalt Therapy (EAGT) em 1985 marcou um ponto de virada para a consolidação da Gestalt-terapia na Europa. A EAGT desempenhou um papel crucial na padronização da formação, na promoção da pesquisa e no estabelecimento de diretrizes éticas para os praticantes.

Além disso, o surgimento de conferências e simpósios internacionais ajudou a promover o intercâmbio de ideias entre terapeutas europeus e americanos, enriquecendo a prática e a teoria gestáltica.

Diferenças Regionais e a Adaptação Cultural

Apesar de sua origem comum, a Gestalt-terapia evoluiu de maneiras distintas nos Estados Unidos e na Europa. Nos EUA, a abordagem manteve um foco forte na liberdade individual, na auto expressão e na experiência subjetiva, muitas vezes em sintonia com o ethos contracultural das décadas de 1960 e 1970.

Na Europa, a Gestalt-terapia foi frequentemente integrada a outras tradições filosóficas e psicológicas, como o existencialismo e a fenomenologia, resultando em uma prática que, embora semelhante, é mais influenciada por questões sociais, culturais e éticas. Isso é particularmente evidente em países como a França e a Itália, onde a prática gestáltica é muitas vezes mais alinhada com questões sociais e políticas.

O Legado Contínuo da Gestalt-terapia

A Gestalt-terapia, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, se estabeleceu como uma abordagem psicoterapêutica poderosa e versátil, capaz de responder às necessidades individuais e sociais em constante mudança. Sua evolução continua a ser marcada por um diálogo entre tradição e inovação, refletindo a própria essência da Gestalt, que valoriza a totalidade, a conexão e a experiência imediata.

Hoje, a Gestalt-terapia é praticada e respeitada em todo o mundo, com uma comunidade internacional de terapeutas e pesquisadores que continuam a expandir seus limites teóricos e práticos.

Ela é amplamente praticada em várias partes do mundo e tem se expandido para novas áreas, incluindo a terapia familiar, a terapia de casal, e até mesmo a aplicação em contextos organizacionais e educacionais.

Além disso, a abordagem tem sido integrada com outras correntes psicológicas, como a terapia cognitivo-comportamental e a psicoterapia corporal, resultando em práticas híbridas que continuam a explorar as possibilidades da experiência humana de forma holística.

Considerações Finais

A Gestalt-terapia, com suas raízes profundas na fenomenologia, na psicologia da Gestalt e no existencialismo, oferece uma abordagem única para a compreensão da experiência humana. Desde sua fundação por Fritz e Laura Perls e Paul Goodman, ela evoluiu e se expandiu para se tornar uma das abordagens mais influentes na psicoterapia contemporânea.

A história da Gestalt-terapia é uma história de inovação e adaptação, refletindo o próprio espírito da terapia: a busca constante por um entendimento mais profundo e autêntico da experiência humana. Se você tiver interesse em explorar mais detalhes sobre a evolução dessa abordagem ou suas aplicações práticas, ficaria muito satisfeito em continuar essa conversa.

Como você vê a integração da Gestalt-terapia com outras abordagens terapêuticas na prática clínica atual? Compartilhe seus pensamentos nos comentários!

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Pós doutorando em Educação, Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela PUC-GO. Especialista em Gestalt-terapia pelo ITGT – GO. Foi professor da PUC-GO e do ITGT-GO entre os anos de 2006 e 2011.

É CEO, membro fundador e professor do Instituto Suassuna (IS-GO) e membro do Conselho Consultivo da Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies (RAG), além de consultor Ad – hoc da Revista em Psicologia em Revista (PUC-Minas).

É autor dos livros: – Histórias da Gestalt – terapia no Brasil – Um estudo historiográfico – Organizador do livro Renadi: a experiência do plantar em Goiânia – Organizador do livro Supervisão em Gestalt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia.