

Gravidez saudável: o papel da psicologia
A psicologia perinatal não é uma promessa de cura, muito menos um modelo de perfeição. Ela nasce como resposta a uma necessidade urgente e muitas vezes silenciada: acolher a mulher que gesta, pare e cuida — com suas dores, suas ambivalências e sua inteireza emocional. Num tempo em que a maternidade é atravessada por cobranças ideológicas, discursos higienizados e idealizações inatingíveis, o papel do psicólogo é o de oferecer presença, escuta e legitimidade ao que não cabe nas vitrines.
A mulher grávida, ao longo do ciclo gravídico-puerperal, é frequentemente medicalizada em excesso e escutada de menos. O foco é o feto. A mãe, muitas vezes, vira coadjuvante. Seus sentimentos são lidos como hormonais, suas dúvidas como insegurança, sua tristeza como falta de gratidão. A psicologia perinatal vem, então, para suspender o juízo e ativar a escuta. Uma escuta que não busca imediatamente uma resposta, um diagnóstico ou um manual de instruções, mas que se dispõe a acompanhar o que emerge — sem pressa, sem moldes, sem atalhos.
Escutar para sustentar
No lugar do “como você está se sentindo?”, muitas mulheres ouvem “o bebê está saudável, e isso é o que importa”. Essa invisibilidade emocional é uma das grandes feridas da experiência materna. A psicologia, neste cenário, cumpre o papel de restaurar o protagonismo psíquico da mulher. Ela devolve à gestante o direito de nomear o que sente, de fazer perguntas sem medo de julgamento, de se mostrar vulnerável sem ser diminuída.
A escuta psicológica é terapêutica por si só. Não porque oferece soluções prontas, mas porque sustenta a angústia sem negá-la, acompanha o silêncio sem violentá-lo, e valida a experiência vivida com respeito, técnica e afeto. É o que Winnicott chamaria de “holding” — um suporte simbólico que permite à mulher se reorganizar internamente enquanto passa por transformações profundas.
Despatologizar é humanizar
Grande parte do sofrimento psíquico das mulheres no ciclo gravídico-puerperal não nasce de um transtorno mental, mas de condições subjetivas e sociais adversas: solidão, sobrecarga, idealizações irreais, ausência de escuta, ruptura com a identidade anterior. Ainda assim, é comum que esses sofrimentos sejam tratados como doenças individuais, medicalizados sem a devida contextualização.
Despatologizar não é negar a dor. É reconhecê-la como legítima sem reduzi-la a um rótulo. É perguntar: o que este sintoma está tentando dizer? Que história ele carrega? Que demandas foram silenciadas até que o corpo ou a mente gritassem por atenção?
Como reforça o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2021), o cuidado perinatal deve estar orientado por uma abordagem integral, humanizada e interseccional, respeitando as singularidades da mulher e seu contexto histórico, afetivo, social e cultural.
Despatologizar a maternidade é um ato clínico, ético e político. É devolver às mulheres o direito de viver a gestação e o puerpério com verdade emocional, reconhecendo que sofrer não é fracassar — é parte da travessia.
Nomear o indizível
Ao longo da gravidez e do pós-parto, muitas mulheres enfrentam experiências para as quais faltam palavras: perdas gestacionais, partos traumáticos, falta de apoio, ambivalência frente ao bebê, conflitos com o companheiro, vergonha do próprio corpo, raiva por se sentir aprisionada em um papel que não corresponde à sua verdade.
A psicologia oferece, então, um espaço para nomear o indizível. E nomear, na clínica, é um gesto de libertação. Quando a mulher consegue dizer “sinto raiva do meu bebê e ainda assim o amo”, ela rompe com a lógica do tudo ou nada, da boa ou má mãe. Ela se autoriza a ser real — e essa é a condição para um vínculo afetivo verdadeiramente transformador.
Psicologia que sustenta vínculos, não que corrige pessoas
A atuação do psicólogo perinatal não é a de um corretor de comportamento, mas a de facilitador de vínculo — entre a mulher e o bebê, entre a mulher e sua nova identidade, entre a mulher e seus afetos.
Essa postura clínica exige ética da escuta, tempo de presença e sensibilidade às entrelinhas. Exige compreender que o que a mulher precisa, muitas vezes, não é de conselhos ou soluções, mas de alguém que esteja com ela enquanto ela atravessa sua dor.
Sustentar, nesse contexto, é oferecer um ambiente psíquico onde a mãe possa se sustentar também. Onde ela possa reaprender a confiar em si, reconstruir seu senso de competência, e elaborar o que foi fragmentado pela experiência de tornar-se mãe.
Falar para ser ouvida: o projeto @falarparaseufilhoouvir
É com essa perspectiva que nasce o projeto @falarparaseufilhoouvir, criado pelo psicólogo Dr. Danilo Suassuna. O projeto é mais do que um perfil informativo — é um espaço de reconstrução do diálogo entre pais e filhos, a partir da escuta de si, da escuta do outro e da escuta da infância.
No Falar para seu filho ouvir, entendemos que ninguém nasce sabendo ser mãe ou pai. E falar para o filho ouvir só é possível quando o adulto também é escutado — por si mesmo, por sua história e por quem o acompanha.
Ali, temas como limites, escuta ativa, saúde mental materna, vínculos, rotina emocional e parentalidade são tratados com profundidade, sensibilidade e base na psicologia clínica. É uma ponte entre a ciência e o cotidiano, entre a teoria e o afeto, entre a clínica e a vida real.
Conclusão
A psicologia, quando atua com ética e escuta, não serve para enquadrar, mas para libertar. Libertar mães do peso de uma idealização inalcançável. Libertar filhos do lugar de exigência silenciosa. Libertar famílias de dinâmicas que se repetem sem consciência.
Escutar, despatologizar e sustentar são verbos clínicos — mas também são verbos políticos. São formas de devolver humanidade ao processo de gestar, parir, cuidar e ser cuidada.
Porque, como dizia Carl Rogers:
“A curiosa contradição é que, quando me aceito como sou, então posso mudar.”
E, no campo da maternidade, essa aceitação começa quando há alguém disposto a ouvir — de verdade.