A escuta e a avaliação comportamental como ferramentas estratégicas na gestão em segurança pública
A rotina da segurança pública exige não apenas conhecimento técnico e operacional, mas também sensibilidade psicológica e relacional. Em um cenário em que cada interação pode implicar risco, tensão ou conflito, a capacidade de escutar ativamente e de avaliar comportamentos revela-se instrumento estratégico de comando, intervenção e prevenção.
1. Escutar para gerir com eficácia
Escutar vai além de simplesmente ouvir palavras. Implica captar sinais, emoções e atitudes que antecedem ou acompanham a fala. No contexto de uma força de segurança, agentes, gestores e equipes operam em ambientes de grande carga emocional: confrontos, mediações, abordagens e coordenações. A capacidade de escutar o outro — seja colega, subordinado ou cidadão — com atenção plena e sem julgamento favorece a tomada de decisões mais refinadas e menos precipitadas.
Segundo Daniel Goleman, a inteligência emocional — a habilidade de reconhecer, entender e regular emoções próprias e alheias — distingue líderes eficazes daqueles que reagem impulsivamente. Em segurança pública, isso significa: escutar o contexto antes de agir; perceber micro-mudanças de postura, tom de voz ou expressão que sinalizem tensão; ajustar a própria conduta de modo a preservar autoridade e, simultaneamente, promover comunicação de confiança.
2. Avaliação comportamental: antecipando a ação
A avaliação comportamental consiste em observar e interpretar manifestações externas — corporais, gestuais, expressivas — como indicadores de processos internos (emoções, intenções, estados de atenção). Estudos em comunicação indicam que uma parte significativa da mensagem humana é transmitida via não verbal. (Mehrabian, 1971)
Em operações de segurança, essa leitura se torna ainda mais relevante: mãos escondidas, olhar desviado ou fixo, voz elevada, respiração acelerada ou pausas prolongadas podem sinalizar risco, evasão, medo ou agressividade latente.
Por exemplo, uma abordagem de rotina em que o cidadão evita olhar, ou mantém o tronco levemente recuado, pode sugerir ansiedade elevada ou intenção de fuga. Um gestor que identifica esse padrão pode ajustar a tática: adotar postura mais aberta, reduzir o tom de voz, permitir espaço de fala e, assim, reduzir a escalada de tensão.
3. Ferramentas práticas para o cotidiano
Para tornar operacional essa escuta ampliada e essa avaliação comportamental, algumas ferramentas práticas podem ser utilizadas:
- Micropausa SCAN (Stop-Calm-Assess-Notice): ao iniciar qualquer interação relevante, pare por um momento, respire, avalie o ambiente e o interlocutor, note os sinais corporais. Essa pausa reduz respostas automáticas e favorece uma intervenção mais centrada.
- Debriefing pós-operação: criar, ao término de ocorrências ou turnos, um momento de escuta aberta entre agentes e gestores para compartilhar percepções, emoções e comportamentos vivenciados. Isso fortalece a aprendizagem situacional, a coesão da equipe e diminui efeitos de desgaste psicológico.
- Feedback comportamental direto: ao dar retorno sobre a atuação de um agente, focar nos comportamentos observáveis (“quando você sustentou o olhar, a aproximação ficou mais segura”) em vez de julgamentos genéricos (“você foi bem”). Esse tipo de feedback facilita o ajuste e mantém a motivação.
- Auto‐monitoramento fisiológico: agentes que operam sob estresse intenso devem estar atentos aos sinais de ativação corporal (batimentos acelerados, respiração curta, tensão muscular). Técnicas simples de respiração, grounding ou micro-pausas ajudam a reequilibrar o sistema nervoso e a evitar decisões precipitadas.
4. O corpo como radar de segurança e de liderança
De acordo com Antonio Damasio, as emoções são reações corporais automáticas que antecedem a consciência plena. Em operações de segurança, o reconhecimento rápido desses estados corporais (medo, raiva, adrenalina) permite ao profissional distinguir “ameaça real” de “tensão aprendida ou condicionada”. Essa diferenciação é crucial para evitar uso excessivo da força, reações inadequadas ou escaladas de conflito.
Quando o gestor identifica sua própria ativação — por exemplo, quando o pulso acelera ou os punhos se fecham — ele tem a oportunidade de pausar, reavaliar e escolher a resposta, em vez de reagir automaticamente. Essa autorregulação é o fundamento de um comando que une firmeza e eficiência com controle e respeito.
5. Gestão de equipes com base em escuta e avaliação
Gerir uma equipe de segurança pública não se limita a emitir ordens: trata-se de gerir emoções, tensões e relações humanas. O estado emocional do comando repercute nas equipes; líderes que comunicam com clareza, escuta e abertura promovem confiança e engajamento.
Práticas recomendadas:
- Realizar briefings em que a fala seja bidirecional — permitir que os agentes expressem preocupações, percepções ou sugestões.
- Reconhecer publicamente comportamentos positivos de intervenção, com foco em atitudes observáveis e condutas que demonstraram escuta ou postura adequada. Esse reforço cria cultura de atenção comportamental.
- Implementar monitoramento psicológico regular da equipe, com apoio especializado, para tratar não apenas o desempenho operacional, mas também o desgaste emocional e as repercussões longitudinalmente negativas.
- Incluir nos treinamentos aspectos de comunicação não-violenta e de linguagem corporal consciente, para que a escuta e a avaliação comportamental se tornem parte integrante do repertório profissional.
6. Conclusão: Escutar para proteger
Na atividade de segurança pública, a escuta e a avaliação comportamental não são meros complementos de técnica: são pilares da eficácia operacional e da gestão humanizada. O profissional que aprende a ouvir o corpo—o seu e o outro—amplia sua percepção, previne conflitos, ajusta sua atuação e fortalece sua liderança.
A comunicação eficaz em segurança é aquela em que o agente ou gestor se coloca em escuta ativa, observa o comportamento, regula sua própria ativação e age com autoridade e convicção.
Num contexto estratégico como o CAESP, essa competência torna-se diferencial: trata-se de atuar nos níveis de comando, direção e estado-maior com consciência ampliada e sensibilidade aplicada.



