

A gestação é uma experiência que transcende o físico e alcança profundezas psíquicas significativas, especialmente para mulheres que sofreram abandono parental. O pré-natal psicológico, nesse contexto, torna-se um espaço privilegiado para acolher as reverberações emocionais que emergem com a chegada de um novo bebê. Para muitas, é um momento de renascimento subjetivo, no qual antigas feridas vêm à tona, trazendo à consciência uma necessidade latente de pertencimento, reconhecimento e cuidado. O encontro com a possibilidade de ser mãe pode ativar uma intensa regressão psíquica, despertando memórias arcaicas de quando foram, elas mesmas, bebês não acolhidas.
Winnicott, em sua teoria do amadurecimento emocional, nos ajuda a compreender esses processos profundos. Mulheres que vivenciaram abandono precoce tendem a desenvolver um falso self – uma espécie de máscara psíquica criada para sobreviver à ausência de um ambiente suficientemente bom. Esse falso self busca agradar, atender expectativas, ser a “criança ideal”, na tentativa inconsciente de evitar novos abandonos. No entanto, por trás dessa estrutura adaptativa, permanece um self verdadeiro, silenciado, não acolhido, que anseia por espaço para existir. A gestação pode ser o momento em que esse self reencontra sua chance de emergir.
O acompanhamento psicológico durante o pré-natal oferece à mulher a oportunidade de se reconectar com suas emoções, desejos e angústias. Técnicas terapêuticas que favorecem a escuta sensível, a expressão simbólica e o contato corporal com as sensações podem abrir caminhos para que essa reconexão aconteça de maneira segura e integradora. Falar sobre o bebê que está por vir implica, muitas vezes, falar também do “bebê simbólico” – aquele que representa uma parte de si mesma ainda não reconhecida. Nesse movimento, o reconhecimento torna-se um dos primeiros atos terapêuticos: ser vista, ouvida e acolhida como sujeito.
A constituição do vínculo com o bebê em gestação depende, em grande medida, da possibilidade dessa mulher também ter sido reconhecida enquanto bebê. Como afirma Winnicott, um bebê não existe sem um cuidador. Se na própria história faltou essa presença acolhedora, o psicólogo perinatal pode atuar como parte de um ambiente reparador, que oferece segurança e validação. O início da vida é invisível, mas o que ele mais precisa é ser visto – e isso vale tanto para o bebê que está chegando quanto para a criança interior que ainda vive na mulher que gesta.
Muitas vezes, ao escutar mulheres que gestam atravessadas pela ausência, nota-se que o que está em jogo não é apenas a preparação para receber um bebê, mas a luta silenciosa para autorizar-se a existir. O abandono afetivo sofrido na infância deixa marcas profundas que reverberam na vida adulta, especialmente quando a mulher se vê diante do desafio de cuidar de uma nova vida. A ausência de um olhar que a reconheceu como digna de amor pode se transformar em uma crença inconsciente de que ela não é capaz de oferecer cuidado, presença ou segurança a outro. O pré-natal psicológico, ao criar um espaço de escuta incondicional, rompe esse ciclo de silêncio, oferecendo à mulher a chance de transformar o medo de falhar no desejo de acolher — a si mesma e ao bebê.
Estar grávida, para essas mulheres, é muitas vezes um retorno simbólico ao próprio início — um reencontro com suas dores mais primitivas. A gestação se torna então uma travessia: entre o passado que marcou, o presente que desafia e o futuro que se anuncia. Permitir-se permanecer nessa travessia, mesmo quando o impulso é fugir da dor, é um ato de coragem e de maturidade psíquica. Nesse sentido, o psicólogo perinatal não apenas acompanha uma gestação, mas testemunha um processo de renascimento subjetivo. A mulher que um dia foi invisível encontra, no olhar terapêutico, a chance de ser vista e, pela primeira vez, talvez, se reconhecer inteira. É a partir dessa inteireza — ainda que em construção — que o vínculo com o bebê pode se formar de forma mais livre, viva e genuína.
Portanto, o pré-natal psicológico com mulheres que sofreram abandono parental não se limita ao acompanhamento de uma gravidez: trata-se de um processo terapêutico profundo de restituição, onde se cuida da mulher e favorece o vínculo com o bebê. A escuta clínica, ao reconhecer as dores do passado e oferecer espaço para o self verdadeiro se expressar, pode transformar a experiência da maternidade em um território fértil de cura e reconstrução emocional. Do ventre ao vínculo, abre-se a possibilidade de um novo começo – para mãe e filho.
Referências bibliográficas
DIAS, Elsa Oliveira. A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 2003.