

Cuidar da Mãe é Cuidar do Bebê: o papel da psicóloga no pré-natal
A descoberta da gestação é sempre um divisor de águas. Mesmo quando é planejada, esperada ou celebrada, ela traz consigo uma reorganização profunda: do corpo, da rotina, dos vínculos, das prioridades e da própria identidade. Junto com o crescimento da barriga, crescem também as dúvidas, os medos, as expectativas, as ambivalências.
É por isso que a gestação não deve ser acompanhada apenas por exames clínicos ou consultas médicas, mas também por uma escuta qualificada para o que não aparece nos exames: as emoções da gestante.
Trazer o psicólogo para o pré-natal é oferecer à mulher um espaço seguro para falar sobre o que sente — inclusive o que ela mesma não consegue nomear. É cuidar da saúde mental materna antes que o sofrimento se instale. É reconhecer que gestar um bebê é também gestar uma nova versão de si mesma.
Gravidez: uma travessia emocional e simbólica
A gestação é uma experiência neurobiológica, mas também psicológica, social e simbólica. Ela pode resgatar medos antigos, ativar lembranças da infância, gerar culpa, ansiedade, insegurança. Muitas mulheres sentem que “deveriam estar felizes”, mas se deparam com angústias difíceis de admitir — medo do parto, medo de não dar conta, medo de não se reconhecer após a chegada do bebê.
Esses sentimentos não são patológicos. Eles são humanos. O que é patológico é exigir que a mulher atravesse esse período sozinha, sem apoio emocional adequado.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2018), cerca de 25% das mulheres grávidas em países de baixa e média renda apresentam sintomas de depressão ou ansiedade. Esses quadros não tratados aumentam o risco de desfechos negativos, tanto para a mãe quanto para o bebê (Glover, 2014; O’Connor et al., 2002).
Não existe bebê sem cuidador(a)
Donald Winnicott (1965), um dos maiores nomes da psicologia infantil, cunhou a frase: “não existe bebê sem um cuidador ao redor”. Isso quer dizer que o desenvolvimento emocional do bebê depende diretamente da qualidade do cuidado que recebe — e, por consequência, do estado emocional de quem cuida.
Se a mãe está exausta, sobrecarregada, não escutada, emocionalmente adoecida, isso se reflete no vínculo com o bebê. Por outro lado, quando a mãe é acolhida, compreendida, fortalecida, ela está mais disponível para ser presença, afeto e continente para o seu filho.
É por isso que a psicologia no pré-natal é uma ferramenta de promoção de saúde pública: ao cuidar da saúde emocional da gestante, estamos cuidando também do futuro do bebê e das relações que o cercam.
Psicologia perinatal: escuta, orientação e prevenção
O psicólogo que atua na gestação trabalha para:
- Acolher o mundo emocional da gestante, sem julgamentos;
- Identificar sinais precoces de sofrimento psíquico (ansiedade, depressão, estresse);
- Oferecer psicoeducação sobre as fases da gestação e do puerpério;
- Apoiar a mulher no fortalecimento do vínculo com o bebê;
- Incluir o(a) parceiro(a), avós e rede de apoio no cuidado emocional;
- Promover rodas de conversa sobre temas como medo do parto, amamentação, luto perinatal, construção do vínculo, limites e parentalidade.
Segundo Raphael-Leff (2001), a experiência da maternidade é moldada tanto por fatores hormonais quanto pelas narrativas culturais, pelas relações de cuidado e pelo ambiente emocional que envolve a mulher. Daí a importância de um espaço de escuta contínua, antes, durante e depois do parto.
Quando começa a educação?
Educar não começa quando o bebê nasce. Começa antes mesmo dele nascer. Começa com o vínculo, com a escuta, com a preparação emocional da mãe e do pai para cuidar — não só do corpo, mas das emoções do bebê.
É nesse contexto que se constrói o primeiro “ambiente facilitador”, como dizia Winnicott: um espaço onde a criança é recebida como um sujeito, onde seus sentimentos serão validados e seus limites respeitados.
E isso inclui dizer “não” com amor. Desde cedo. Um “não” dito com presença, firmeza e afeto é um ato de proteção, não de rejeição. Siegel e Bryson (2012) chamam isso de “disciplina sem drama”: ensinar a criança a se autorregular sem usar violência ou permissividade excessiva.
Mas para dizer “não” com equilíbrio, os pais precisam primeiro aprender a lidar com sua própria culpa. E esse é um dos maiores papéis da psicologia no ciclo gravídico-puerperal: desconstruir a ideia de que o amor materno é sinônimo de perfeição ou abnegação.
Culpa não educa. Presença sim.
A frase “coitadinho do meu filho” é, muitas vezes, reflexo de uma culpa mal elaborada. Mas a ciência nos mostra que frustração saudável é parte do crescimento. Crianças que nunca ouvem “não” crescem desorganizadas emocionalmente, sem recursos para lidar com os limites da vida real (Neufeld & Maté, 2004).
Educar com firmeza e amor requer que os adultos sejam emocionalmente preparados para sustentar o choro, a raiva, a birra — e ainda assim permanecerem disponíveis. Isso só é possível quando os cuidadores também são cuidados.
Quem cuida de quem cuida?
Essa pergunta precisa estar no centro das políticas públicas de saúde e das práticas clínicas em maternidades, postos de saúde, consultórios e espaços perinatais. A sociedade cobra muito das mães — mas oferece pouco em troca. Quer mães presentes, fortes e pacientes, mas não oferece escuta, tempo, acolhimento, orientação.
Trazer o psicólogo para o pré-natal é começar a mudar essa lógica. É dizer à mulher: “você também importa”. É reconhecer que o nascimento de um bebê não acontece sozinho — ele nasce com a mãe, e ambos precisam ser acolhidos.
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Referências
- Brasil. Ministério da Saúde. (2012). Rede Cegonha: Guia para Gestantes. Brasília: MS.
- Conselho Federal de Psicologia (CFP). (2021). Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) em contextos de atenção à gestação, parto e puerpério. Brasília: CFP.
- Glover, V. (2014). Maternal depression, anxiety and stress during pregnancy and child outcome; what needs to be done. Best Practice & Research Clinical Obstetrics & Gynaecology, 28(1), 25–35.
- Neufeld, G. & Maté, G. (2004). Hold On to Your Kids: Why Parents Need to Matter More Than Peers. New York: Ballantine Books.
- O’Connor, T. G., Heron, J., Glover, V. (2002). Antenatal anxiety predicts child behavioral/emotional problems independently of postnatal depression. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 41(12), 1470–1477.
- Raphael-Leff, J. (2001). Psychological Processes of Childbearing. London: Chapman & Hall.
- Siegel, D. J. & Bryson, T. P. (2012). Disciplina sem drama. São Paulo: Paz e Terra.
- Winnicott, D. W. (1965). O bebê e sua mãe. São Paulo: Martins Fontes.
- World Health Organization (WHO). (2018). Maternal mental health and child health and development in low and middle-income countries: Report of the meeting. Geneva: WHO.
danilo suassuna