

Como o jogo ajuda seu filho a lidar com a raiva, a frustração e a espera
Série
Jogar é Cuidar
– Instituto Suassuna | Projeto Todos Cuidados
A hora de perder é também a hora de aprender
Falamos aqui de jogos de tabuleiro!
Quem convive com crianças sabe: basta um jogo acabar em derrota para as lágrimas, a raiva ou o “não quero mais brincar” aparecerem.
Mas, por trás desses momentos de irritação, há algo precioso acontecendo — o aprendizado emocional.
Os jogos de tabuleiro são espaços seguros onde a criança pode sentir, reagir e aprender a se regular.
Quando ela perde, espera a vez, ou precisa seguir uma regra que não gosta, está treinando o cérebro para lidar com frustrações, impulsos e decepções — experiências inevitáveis na vida.
O psicólogo Erik Erikson (1963) descreveu essa fase como o momento de desenvolver autonomia e iniciativa: é preciso experimentar o erro, o limite e a cooperação para amadurecer.
O jogo de tabuleiro, ao oferecer estrutura e emoção ao mesmo tempo, se torna um pequeno ensaio da vida real.
Por que as crianças sentem tanta raiva quando perdem?
A raiva é uma emoção básica e necessária.
Ela surge quando há uma quebra de expectativa: a criança queria ganhar, mas perdeu; queria jogar de novo, mas precisa esperar.
No entanto, sem ferramentas para lidar com isso, ela explode.
Do ponto de vista neurobiológico, essa reação vem da amígdala, região do cérebro responsável pela resposta emocional imediata.
Com o tempo — e com experiências mediadas — o córtex pré-frontal aprende a regular essa emoção, transformando impulso em autocontrole (Damasio, 2010).
E o jogo, ao expor a criança repetidamente a pequenas frustrações, fortalece exatamente essa ponte cerebral entre emoção e razão.
O segredo está na forma como o adulto conduz o momento:
“Você ficou bravo porque queria muito ganhar. Tudo bem sentir isso. Vamos pensar como podemos jogar de novo com calma?”
Essa fala acolhe o sentimento, mas propõe reflexão — e esse é o caminho da educação emocional.
O treino invisível da paciência
Esperar a vez é uma das maiores lições emocionais que um jogo de tabuleiro ensina.
A cada rodada, a criança precisa conter o impulso, controlar a ansiedade e sustentar o desejo.
Esse exercício de autorregulação emocional é fundamental para o desenvolvimento da empatia e da tolerância à frustração — pilares da convivência social.
Pesquisas em psicologia do desenvolvimento (Diamond, 2013; Blair & Ursache, 2011) mostram que crianças que treinam o “esperar” em contextos lúdicos têm maior capacidade de concentração e menor reatividade emocional em sala de aula.
O jogo, portanto, não ensina apenas a contar ou mover peças: ele ensina a esperar sem desistir — uma habilidade rara em tempos de imediatismo digital.
A alegria também se aprende
Assim como a frustração, a alegria precisa ser reconhecida e regulada.
Festejar sem zombar, comemorar sem humilhar o outro, reconhecer o esforço de todos — tudo isso é aprendizagem emocional.
No jogo, a alegria surge como resultado do esforço, e não como direito garantido.
Quando a criança entende que a vitória é consequência da persistência e da sorte, desenvolve resiliência — a capacidade de tentar de novo sem medo.
O psicólogo Martin Seligman (2011), criador da psicologia positiva, afirma que o bem-estar emocional vem da soma entre prazer, engajamento e sentido.
O jogo reúne os três: diverte, desafia e cria conexões humanas reais.
Como os pais podem ajudar: o papel da mediação emocional
A criança não nasce sabendo lidar com emoções — ela aprende observando os adultos.
Durante o jogo, pais e cuidadores têm uma oportunidade única de ensinar com o exemplo:
- Mostre que errar faz parte.
“Eu perdi, mas tudo bem, quero jogar de novo.” - Nomeie as emoções.
“Você ficou bravo porque queria jogar de novo, né?” - Valorize o esforço, não o resultado.
“Gostei de como você pensou antes de jogar.” - Ensine o autocontrole.
Respire junto, mostre calma. A criança aprende observando. - Dê tempo para ela se acalmar.
Emoção precisa de pausa antes de reflexão.
Essas atitudes constroem inteligência emocional — termo popularizado por Daniel Goleman (1995) — e ajudam a prevenir comportamentos impulsivos ou agressivos.
Emoções e cérebro: o que acontece durante o jogo
Estudos em neurociência mostram que, ao enfrentar situações de frustração no jogo, a criança ativa sistemas cerebrais responsáveis por:
- Regulação emocional (córtex pré-frontal);
- Processamento de recompensas (estriado ventral);
- Empatia e reconhecimento do outro (córtex orbitofrontal e insular).
Essas redes, estimuladas repetidamente, fortalecem o equilíbrio emocional — o que reduz o risco de ansiedade e impulsividade na vida adulta (Casey et al., 2011).
No contexto terapêutico, psicólogos utilizam o jogo como instrumento de observação e intervenção emocional, identificando padrões de reatividade e estratégias de enfrentamento.
É o que acontece nos atendimentos do projeto Todos Cuidados, do Instituto Suassuna, que promove oficinas e vivências lúdicas voltadas à regulação emocional infantil e ao fortalecimento dos vínculos familiares.
Perder, esperar, tentar de novo
A criança que aprende a perder hoje, amanhã saberá recomeçar diante de frustrações maiores.
A que aprende a esperar, saberá persistir.
E a que é escutada em suas emoções, aprende que sentir não é errado — é humano.
O jogo de tabuleiro é, portanto, mais do que uma brincadeira: é um campo de treinamento para a vida emocional.
E quando os adultos se dispõem a participar, escutar e orientar, o brincar se transforma em cuidado — cuidado com o sentir, com o crescer e com o viver.
O Instituto Suassuna, por meio do projeto Todos Cuidados, acredita que cuidar da saúde emocional das crianças é investir na saúde emocional do futuro.
Referências
- Blair, C., & Ursache, A. (2011). A bidirectional model of executive functions and self-regulation. Handbook of self-regulation, 300–320.
- Casey, B. J., et al. (2011). Braking and accelerating of the adolescent brain. Journal of Research on Adolescence, 21(1), 21–33.
- Damasio, A. (2010). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Companhia das Letras.
- Diamond, A. (2013). Executive functions. Annual Review of Psychology, 64, 135–168.
- Erikson, E. H. (1963). Childhood and Society. Norton.
- Goleman, D. (1995). Emotional Intelligence. Bantam Books.
- Seligman, M. E. P. (2011). Flourish. Free Press.