Borderline

  • post publicado em 22/05/25 às 10:47 AM
  • Tempo estimado de leitura: 5 minutos

 

Borderline não é drama: quando a música acerta na dor, mas erra no diagnóstico

INTRODUÇÃO

No início de 2025, a dupla sertaneja Maiara e Maraísa lançou a música “Borderline”, que rapidamente se tornou tema de conversas, memes e discussões nas redes sociais. A letra expressa sentimentos de amor intenso, medo de abandono, impulsividade emocional — elementos que, curiosamente (e não por acaso), fazem parte da vivência de quem convive com o transtorno de personalidade borderline. Mas ao transformar essa experiência clínica em recurso poético, a canção reacende um debate necessário: o uso impreciso de termos da saúde mental na cultura pop contribui para a conscientização ou reforça estigmas?

Este artigo busca responder a essa pergunta a partir de um olhar fundamentado na psicologia clínica e na ética profissional. Vamos entender o que é, de fato, o transtorno de personalidade borderline, por que sua banalização é preocupante, e como transformar cultura em cuidado — sem perder o poder de escuta que a arte também tem.

BORDERLINE: O QUE É, DE FATO?

O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é uma condição clínica descrita no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), caracterizada por um padrão persistente de instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos afetos, além de impulsividade acentuada.

Entre os critérios diagnósticos estão:

  • Medo intenso de abandono, real ou imaginado
  • Relacionamentos instáveis e intensos
  • Identidade instável (mudanças drásticas de autoimagem)
  • Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (gastos, sexo, abuso de substâncias etc.)
  • Comportamentos suicidas ou automutilação
  • Instabilidade afetiva significativa
  • Sentimentos crônicos de vazio
  • Raiva intensa ou inapropriada
  • Ideação paranoide ou dissociação transitória em situações de estresse

Estudos como os de Gunderson (2011), Linehan (1993) e Kernberg (1984) aprofundaram a compreensão clínica e terapêutica do TPB. Importante destacar: trata-se de um diagnóstico sério, com sofrimento psíquico profundo e risco real de suicídio. É muito mais que intensidade emocional — é desorganização interna.

O USO DE TERMOS CLÍNICOS NA MÚSICA: A CULTURA QUE PSICOPATOLOGIZA

A arte sempre foi espaço de expressão das emoções humanas. A dor, a paixão, a perda, o desespero — tudo cabe na canção. No entanto, quando um termo técnico da psicologia é utilizado fora de seu contexto clínico, como recurso estético, há riscos.

Na música “Borderline”, as artistas cantam:

“Me chama de doida / Me diz que é drama / Mas você não sabe o que se passa aqui dentro”.

Esse trecho traduz bem a vivência de muitas pessoas que enfrentam o transtorno: julgadas como “dramáticas”, incompreendidas, marginalizadas. No entanto, o uso do nome de um transtorno como sinônimo de sofrimento amoroso generalizado contribui para confundir o público sobre o que realmente é borderline.

O resultado? Duas consequências preocupantes:

  1. Banalização do diagnóstico, fazendo com que qualquer pessoa emocionalmente intensa seja rotulada;
  2. Estigmatização de quem realmente tem o transtorno, ao associar o TPB a comportamentos exagerados, perigosos ou manipuladores, como muitos comentários nas redes sociais sugeriram após o lançamento.

A DIFERENÇA ENTRE SENTIR DEMAIS E TER UM TRANSTORNO

É absolutamente humano viver momentos de instabilidade emocional em um relacionamento. Amar demais, sentir ciúmes, reagir de forma intensa a términos ou rejeições não são, por si só, sinais de transtorno.

Como aponta Marsha Linehan, criadora da Terapia Comportamental Dialética (DBT), um dos métodos mais eficazes no tratamento do TPB:

“As emoções não são o problema. O problema está na forma como lidamos com elas.”

A fronteira entre intensidade emocional e transtorno está na persistência, na rigidez e no prejuízo funcional. Quando essas vivências se tornam recorrentes, causam sofrimento significativo e dificultam a vida da pessoa nos seus relacionamentos, trabalho e autoestima, é hora de procurar ajuda profissional.

O PERIGO DE DIAGNOSTICAR COM OUVINTE: A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA

A cultura pop tem o poder de nomear sentimentos. Isso é valioso. Mas há uma linha tênue entre nomear e rotular. O uso crescente de termos como “ansioso”, “depressivo”, “bipolar” e “borderline” em músicas, séries e redes sociais muitas vezes escapa do campo clínico e entra no vocabulário cotidiano como rótulo emocional.

Segundo o psicólogo James Hillman, em “O Código do Ser” (1996), o risco da psicologização exagerada da vida é que a narrativa interior deixa de ser poética e passa a ser patologizante. Ou seja: sentimos e já queremos um nome clínico para o que vivemos. Esse movimento pode tanto silenciar a complexidade do humano quanto fomentar diagnósticos apressados, especialmente em adolescentes e jovens adultos.

 REPRESENTAÇÃO E CUIDADO: A ARTE COMO PONTE, NÃO COMO DIAGNÓSTICO

Dito isso, não se trata de censurar a arte. Muito pelo contrário. Se a música emociona e toca, é porque fala de algo verdadeiro. E essa verdade — o medo do abandono, o impulso, a dor de se sentir incompreendido — está presente tanto na experiência de quem tem TPB quanto na de quem apenas viveu um relacionamento difícil.

O ponto é: como psicólogos, temos a responsabilidade de transformar essas expressões culturais em oportunidades de escuta e esclarecimento. De dizer: “o que você sente importa, e pode ser cuidado”.

Quando a música abre a porta, a psicologia precisa estar lá para acolher.

QUANDO PROCURAR AJUDA: SINAIS DE ALERTA PARA O TRANSTORNO BORDERLINE

Nem todo sofrimento precisa de diagnóstico. Mas todo sofrimento merece cuidado. Por isso, listamos aqui sinais que indicam a necessidade de buscar ajuda:

  • Você vive relações intensas, com ciclos de idealização e desvalorização
  • Sente que sua identidade muda com frequência
  • Experimenta episódios de raiva, desespero ou vazio que parecem incontroláveis
  • Tem comportamentos autodestrutivos ou ideias suicidas
  • Tem medo intenso de ser abandonado, mesmo sem motivo aparente
  • Sente que suas emoções “tomam conta” e você não tem controle sobre elas

Nestes casos, procurar um psicólogo ou psiquiatra é um gesto de responsabilidade e amor-próprio. Há tratamentos eficazes e caminhos possíveis. Uma das possibilidades é a busca pelo nosso projeto todos cuidados!

7. A PALAVRA DO PROFISSIONAL: DR. DANILO SUASSUNA COMENTA

“A arte tem o poder de abrir conversa. E a psicologia, de aprofundar. Quando uma música como ‘Borderline’ viraliza, temos uma chance de transformar curiosidade em cuidado. Mas para isso, precisamos sair da lógica do rótulo e entrar na escuta real. Nem tudo que dói é transtorno, mas toda dor precisa ser acolhida.”

Como psicólogo, doutor e pós-doutor em Psicologia e Educação, venho reafirmar a importância de divulgar conteúdos sérios sobre saúde mental, que dialoguem com a cultura, mas sem abrir mão da responsabilidade ética com o sofrimento psíquico das pessoas.

8. DO CONSULTÓRIO PARA O MUNDO: O PAPEL DOS PSICÓLOGOS NA CULTURA DIGITAL

Vivemos um tempo em que o psicólogo também é comunicador. A internet transformou a prática clínica em um campo ampliado de atuação. Por isso, é papel dos profissionais:

  • Produzirem conteúdos informativos de qualidade
  • Corrigirem desinformações sem arrogância
  • Aproximarem a psicologia das dores reais das pessoas
  • Reforçarem a diferença entre sofrimento subjetivo e transtorno diagnosticável

O Instituto Suassuna tem se dedicado a formar psicólogos ATUANTES — que não apenas saibam o que é borderline, mas que saibam também comunicar isso com clareza, sem cair no reducionismo.

CONCLUSÃO: ENTRE O DRAMA E O DIAGNÓSTICO, FICA A DOR DE QUEM PRECISA SER OUVIDO

A música “Borderline” de Maiara e Maraísa escancara uma realidade: as pessoas estão sofrendo. Elas estão tentando dar nome ao que sentem. E a cultura pop oferece um espelho — muitas vezes distorcido, mas ainda assim um espelho.

Como profissionais da saúde mental, não cabe a nós invalidar a dor alheia, mas sim traduzi-la com mais precisão, ética e empatia. Que cada música que toque a ferida seja também uma oportunidade de falar sobre cuidado.

LEIA TAMBÉM NO BLOG DO INSTITUTO SUASSUNA:

  • Ansiedade ou Transtorno de Ansiedade? Como diferenciar
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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

Acesse o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8022252527245527