Bolo com o filho

  • post publicado em 01/08/25 às 18:25 PM
  • Tempo estimado de leitura: 4 minutos

 

Bolo com o filho! Férias acabando, mas ainda dá para aprender em casa 

 Homem também vai pra cozinha

Quando a rotina escolar começa a bater à porta, muitas famílias sentem que “o tempo de aprender” vai voltar só com a aula. Não precisa ser assim. Cozinhar com as crianças — por exemplo, fazer um bolo — é uma atividade simples, afetiva e extremamente rica para o desenvolvimento. E aqui vai um ponto importante para o nosso projeto Falar para seu filho ouvir: homem também vai pra cozinha. A participação de pais e meninos em tarefas culinárias quebra estereótipos, amplia repertórios e promove saúde emocional.

Abaixo, organizo ideias práticas e, ao mesmo tempo, embasadas em ciência, para você transformar a cozinha em sala de aula — com atenção aos aspectos psicológicos, sociais e neuropsicológicos.

Por que o bolo é uma “sala de aula”?

  1. Matemática e linguagem na vida real
    Medir xícaras, contar ovos, dividir massa em formas, ler a receita em voz alta e identificar verbos de ação (“misturar”, “assar”) trabalham numeracia e letramento em contexto significativo (aprender fazendo). Intervenções culinárias com crianças são associadas a maior engajamento, autoeficácia e conhecimento prático (Hersch et al., 2014; Utter et al., 2016).
  2. Funções executivas (FE)
    Seguir passos, esperar o tempo do forno, inibir a vontade de abrir a porta antes da hora e ajustar um erro na massa exigem memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva — pilares das FE, preditoras de sucesso acadêmico e autorregulação (Diamond, 2013; Zelazo et al., 2016).
  3. Motricidade fina e integração sensorial
    Quebrar ovos, mexer com colher, despejar sem derramar e sentir texturas e cheiros estimulam coordenação e integração sensório-motora (Case-Smith, 2013).
  4. Pertencimento, vínculo e autoconceito
    Cozinhar em família fortalece vínculo afetivo, senso de competência e autoeficácia (“eu consigo fazer”), especialmente quando o adulto oferece escuta, encorajamento e feedbacks específicos (Bandura, 1997; Sroufe, 2005).
  5. Alimentação e autonomia
    Envolver a criança no preparo aumenta aceitação de alimentos e curiosidade por ingredientes novos, favorecendo autonomia e escolhas saudáveis (Hersch et al., 2014).

“Homem também vai pra cozinha”: o impacto social (e clínico) de quebrar estereótipos

  • Modelagem de papéis de gênero
    Crianças aprendem observando. Quando meninos veem homens cozinhando com cuidado e responsabilidade, ampliam o que entendem como “coisa de menino”, reduzindo estereótipos e promovendo equidade (Eagly & Wood, 2012; Bandura, 1977).
  • Paternidade ativa
    A participação paterna em atividades cotidianas está associada a melhores desfechos socioemocionais, linguagem e autorregulação nas crianças (Lamb, 2010; Pleck, 2010). A cozinha vira espaço de cuidado, colaboração e conversa — não de “ajuda eventual”, mas de corresponsabilidade.
  • Competências para a vida
    Cozinhar é habilidade de cuidado de si e dos outros. Meninos e meninas que cozinham desenvolvem independência, senso de cuidado doméstico e cooperação, elementos protetivos em saúde mental (Masten, 2014).

O que acontece no cérebro enquanto o bolo assa? -neuropsicologia em linguagem simples- 

  • Planejamento e sequência: o córtex pré-frontal coordena o “passo a passo” (memória de trabalho e planejamento).
  • Controle inibitório: resistir a mexer no forno antes da hora treina “freio” comportamental, crucial para atenção e autorregulação.
  • Recompensa e motivação: concluir a receita e saborear o bolo ativa circuitos de recompensa, reforçando aprendizagem por experiência bem-sucedida.
  • Memória multimodal: cheiros e sabores associam-se a lembranças (sistemas olfatório, hipocampo), tornando o aprendizado emocionalmente marcado — o que ajuda a consolidar memórias (Herz, 2016).
  • Integração sensório-motora: mexer, derramar, sentir texturas e temperaturas integra percepção e ação, fortalecendo coordenação.

Como conduzir a atividade (modelo Falar para seu filho ouvir)

Antes (2–5 minutos)

  • Convite: “Topa fazer um bolo comigo? Você escolhe a cobertura.”
  • Combinar papéis: “Você mede e eu fico com o forno. No fim, a gente troca.”
  • Regras de segurança: mãos limpas, forno só com adulto, facas fora do alcance.

Durante

  • Roteiro de conversa (use perguntas abertas):
    • “Qual parte você acha mais difícil? O que te ajuda a lembrar os passos?”
    • “Se a massa ficar muito líquida, o que dá para ajustar?” (flexibilidade e solução de problemas)
    • “Quer ler a próxima instrução em voz alta?” (letramento)
    • “Quantas xícaras já foram? Como saber se falta?” (numeracia)
  • Linguagem que desenvolve (feedbacks descritivos):
    • Em vez de “Parabéns!”, prefira: “Você mediu com atenção e conferiu na receita; isso é planejamento.” (Dweck, 2006 — foco em processo)

Depois

  • Autorreflexão curta: “O que você aprendeu hoje? O que faria diferente na próxima?”
  • Celebrar o esforço (não só o resultado): “Deu certo porque você persistiu quando a massa empelotou.”

Adaptações por faixa etária

  • 3–5 anos: explorar texturas, cheiros, lavar frutas, mexer com colher grande; receitas de poucos passos; foco em nomear ações e cores.
  • 6–8 anos: medir com xícaras, quebrar ovos com supervisão, ler frases curtas da receita; introduzir noção de frações simples (½ xícara).
  • 9–12 anos: seguir a receita quase inteira, ajustar medidas, usar timer, discutir “por que” (fermento faz crescer?); introduzir troca de papéis.
  • 13+: autonomia progressiva (sempre com segurança), planejar compra de ingredientes e custo; propor variações e fazer registro da receita.

Dicas rápidas de segurança e organização

  • Forno e facas sempre sob responsabilidade do adulto.
  • Bancada organizada (mise en place): cada ingrediente separado reduz erros e ansiedade.
  • Higiene: lavar mãos, limpar superfícies, separar utensílios crus e prontos.
  • Rotina curta e previsível: lista visível dos passos ajuda crianças com TDAH e ansiedade (checklist).

Mini-rúbrica de observação (para pais e educadores)

Avalie com a criança, em linguagem simples, de 1 a 3:

  1. Planejamento (separou ingredientes?);
  2. Atenção (seguiu passos?);
  3. Flexibilidade (ajustou quando algo deu errado?);
  4. Colaboração (revezou tarefas?).
    Conversem sobre um ponto para manter e um para melhorar na próxima.
    Checklist de segurança + roteiro de conversa.

Referências 

  • Bandura, A. (1977). Social Learning Theory.
  • Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The Exercise of Control.
  • Case-Smith, J. (2013). Systematic review of interventions to promote motor and social skills in children. American Journal of Occupational Therapy, 67(4), 395–404.
  • Diamond, A. (2013). Executive functions. Annual Review of Psychology, 64, 135–168.
  • Dweck, C. (2006). Mindset: The New Psychology of Success.
  • Eagly, A. H., & Wood, W. (2012). Social role theory. In P. A. M. Van Lange et al. (Eds.), Handbook of Theories of Social Psychology.
  • Herz, R. S. (2016). The role of odor-evoked memory in psychological and physiological health. Brain Sciences, 6(3), 22.
  • Hersch, D., Perdue, L., Ambroz, T., & Boucher, J. L. (2014). The impact of cooking classes on food-related preferences, attitudes, and behaviors of school-aged children. Journal of Nutrition Education and Behavior, 46(6), 632–639.
  • Lamb, M. E. (2010). The role of the father in child development (5th ed.).
  • Masten, A. S. (2014). Ordinary Magic: Resilience in Development.
  • Pleck, J. H. (2010). Paternal involvement: revised conceptualization and theoretical linkages. In The Role of the Father in Child Development.
  • Sroufe, L. A. (2005). Attachment and development: a prospective, longitudinal study. Attachment & Human Development, 7(4), 349–367.
  • Utter, J., Fay, A. P., & Denny, S. (2016). Child cooking skills and food-related preferences. Journal of Nutrition Education and Behavior, 48(1), 35–41.
  • Zelazo, P. D., Blair, C. B., & Willoughby, M. (2016). Executive Function: Implications for Education.

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

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