Ansiedade do meu filho!
Ansiedade infantil sob a ótica da Gestalt-terapia: o que o comportamento do seu filho está tentando dizer
(Versão longa, profunda e baseada em evidências)
1. A verdade dura: muitas crianças ansiosas são vistas como “birrentas”, “teimosas” ou “inseguras”
A ansiedade infantil raramente aparece com a frase: “mamãe, estou ansioso”.
Ela aparece no corpo, no comportamento, na rotina, no sono, no desempenho escolar, no humor.
E, na maioria das vezes, pais interpretam esses sinais como:
- “manha”,
- “falta de limites”,
- “preguiça”,
- “drama”,
- “sensibilidade demais”.
Mas a ciência é clara: crianças sentem ansiedade antes de conseguir nomeá-la.
Winnicott lembrava que:
“A criança não tem um self pronto para lidar sozinha com experiências intensas; ela precisa de um ambiente que a ajude a dar forma ao que sente.”
— Winnicott, 1965
E esse é exatamente o ponto central deste texto:
o que chamamos de ‘dificuldade’ muitas vezes é um pedido de ajuda que o seu filho não sabe colocar em palavras.
2. O que é ansiedade para a Gestalt-terapia? Uma explicação que faz sentido para pais
Ao contrário do senso comum — que chama ansiedade de “nervosismo” —, a Gestalt-terapia explica ansiedade como algo muito mais profundo.
Fritz Perls, fundador da abordagem, afirmava:
“Ansiedade é a lacuna entre o agora e o depois.”
— Perls, 1969
Ou seja: seu filho está vivendo no futuro, imaginando o que pode dar errado, sentindo medo antes mesmo do perigo chegar.
Isso gera:
- dor de barriga,
- irritabilidade,
- dificuldade de concentração,
- crises de choro,
- medo de errar,
- apego exagerado aos pais,
- comportamentos de fuga ou evitação,
- dificuldade de comer ou dormir.
Margherita Spagnuolo Lobb, uma das maiores referências em Gestalt-terapia, resume assim:
“A ansiedade é uma tentativa de cuidar de si quando o ambiente parece imprevisível.”
— Spagnuolo Lobb, 2018
A criança não está desobedecendo — ela está tentando sobreviver emocionalmente.
3. O corpo fala antes da boca: ansiedade infantil é corporal
Crianças não dizem:
“estou ruminando pensamentos antecipatórios e isso está desregulando meu sistema nervoso autônomo.”
Elas dizem:
- “tô com dor de barriga”,
- “não quero ir”,
- “tô com medo”,
- “não consigo dormir”,
- “fica comigo?”,
- “posso faltar?”.
E o corpo delas está dizendo exatamente aquilo que a Gestalt-terapia afirma há décadas:
“O corpo sabe antes da mente compreender.”
— Perls, 1969
A ciência confirma isso. Pesquisas sobre interocepção mostram que crianças ansiosas têm maior ativação da amígdala e do sistema de alerta (Farb, 2023; LeDoux, 2020).
O corpo dispara antes da criança entender o que está acontecendo.
4. Por que crianças estão tão ansiosas hoje? O papel do campo familiar e social
A Gestalt-terapia insiste em um ponto essencial para pais:
“A ansiedade não está na criança; está no campo em que ela vive.”
— Yontef, 1993
Alguns fatores do campo atual que aumentam ansiedade infantil:
1. Excesso de estímulos e agendas lotadas
A criança não tem tempo de “existir”.
2. Expectativas elevadas
Desempenho, autocontrole precoce, maturidade acima do possível.
3. Falta de previsibilidade
Rotinas instáveis deixam o organismo infantil em estado de alerta.
4. Conflitos, brigas e tensões em casa
A criança absorve tudo.
5. Comparação social constante
“O filho do outro aprende mais rápido.”
“Fulano é melhor na escola.”
“Olha o que aquela criança consegue fazer.”
6. Exposição precoce a telas
Aumenta a excitabilidade do sistema nervoso e diminui capacidade de autorregulação.
Spagnuolo Lobb (2021) chama essa época de “sociedade hiperexcitada”, onde o ritmo do mundo é maior do que a capacidade de processamento da criança.
5. Ansiedade não é fraqueza: é um pedido de suporte
Zachello afirma que:
“O sintoma é uma solução criativa quando o campo não oferece outro recurso.”
— Zachello, 2004
A criança ansiosa não é fraca.
Ela é criativa: está tentando se proteger.
Muitas vezes, proteger-se de:
- rejeição,
- erro,
- exposição,
- turbulências emocionais dos adultos,
- conflitos,
- exigências irreais.
A ansiedade é, então, aquilo que Perls chama de “tentativa de ajuste”.
6. Como a ansiedade aparece na fronteira de contato da criança?
A criança ansiosa pode:
1. Retroflexionar
Fazer para si o que não consegue expressar para o mundo.
Ex.: morder unhas, prender respiração, tensionar o corpo.
2. Projetar
Achar que todos vão rir dela, criticá-la, rejeitá-la.
3. Introjetar
Frases como:
- “tenho que ser perfeito”,
- “não posso errar”,
- “mamãe fica triste se eu não fizer certo”.
4. Confluir
Fundir-se ao desejo dos outros e perder o próprio.
Zinker explica:
“Crianças ansiosas vivem com fronteiras rígidas ou dissolvidas demais.”
— Zinker, 1977
7. O que os pais podem fazer? A resposta da Gestalt-terapia
A Gestalt não oferece “técnicas milagrosas”, mas oferece presença, ritmo, suporte e contato.
E pais podem usar esses princípios imediatamente.
7.1. Dê nome ao que seu filho sente
Nomear emoções cria organização.
Winnicott dizia:
“Quando a mãe dá nome ao que a criança sente, ela dá existência ao self.”
Ex.:
“Parece que você ficou com medo daquela situação.”
“Percebi que seu corpo ficou tenso.”
7.2. Reduza a velocidade do ambiente
A criança ansiosa precisa de previsibilidade corporal e emocional.
7.3. Seja o porto seguro, não o fiscal
A pergunta nunca é:
“Por que você está assim?”
Mas sim:
“O que você precisa agora?”
7.4. Ensine seu filho a voltar ao corpo
Respiração, pés no chão, sentir o corpo apoiado.
7.5. Não minimize, não compare, não critique
Frases como:
- “para com isso”,
- “isso é besteira”,
- “seu primo consegue”,
aumentam ansiedade.
7.6. Procure ajuda quando os sinais estiverem muito intensos
Danilo Suassuna, como psicólogo, sempre lembra que:
“Ansiedade infantil não é frescura: é um pedido de reorganização que merece cuidado profissional.”
8. Como a Gestalt-terapia ajuda crianças ansiosas na clínica?
1. Awareness (consciência)
A criança aprende a perceber o que sente no corpo.
2. Experimentos lúdicos
Desenhos, histórias, figuras, metáforas.
3. Ritmo relacional
O terapeuta regula a excitação.
4. Contato seguro
A criança precisa sentir que existe um lugar onde pode ser inteira.
Spagnuolo Lobb diz:
“O terapeuta reencontra o ritmo perdido da criança.”
— Spagnuolo Lobb, 2013
9. A mensagem final para pais: ansiedade não some com bronca — ela diminui com presença
A criança ansiosa não quer dar trabalho.
Ela quer ser compreendida.
Ela precisa de pais que consigam olhar além do comportamento, além da irritação, além da teimosia aparente.
Como Perls dizia:
“Não busque eliminar o sintoma; busque restaurar a pessoa.”
— Perls, 1969
E como Danilo Suassuna ressalta no projeto Falar para seu Filho Ouvir:
“A ansiedade do seu filho não pede perfeição: pede presença, ritmo e vínculo.”



