Ansiedade: o que é, e como melhorar?

  • post publicado em 02/12/25 às 15:13 PM
  • Tempo estimado de leitura: 5 minutos

 

ANSIEDADE E GESTALT-TERAPIA: UMA LEITURA COMPLETA DO FENÔMENO ANSIOGENO, DO SELF E DO CAMPO

1. Introdução: por que a ansiedade é o afeto da nossa época?

A ansiedade tornou-se, para muitos autores, “o afeto hegemônico do século XXI”.

As estatísticas epidemiológicas da World Health Organization (2023) indicam que mais de 301 milhões de pessoas convivem com transtornos ansiosos. O Brasil figura repetidamente entre as maiores prevalências do mundo, segundo o estudo Global Burden of Disease.

Porém, antes de ser um fenômeno estatístico, a ansiedade é uma experiência corporificada. Ela pertence à nossa história evolutiva (mobilização diante do perigo), à nossa cultura (sociedade da performance) e à nossa biografia (histórias traumáticas, vínculos, expectativas). A Gestalt-terapia permite uma leitura especialmente profunda dessa experiência porque não parte do sintoma, mas do modo como a pessoa está no mundo.

Como lembra Fritz Perls:

“O que está acontecendo agora é o que importa.”

— Perls, 1969, p. 1

A ansiedade não é vista como patologia isolada, mas como um modo de existir que se expressa na fronteira de contato.

2. O que é ansiedade para a Gestalt-terapia?

2.1. A definição clássica de Perls: ansiedade como lacuna temporal

A frase mais repetida de Perls sobre ansiedade é também uma das mais profundas:

“Ansiedade é a lacuna entre o agora e o depois.”

— F. Perls, 1969, p. 22

Essa formulação, aparentemente simples, descreve um fenômeno humano universal: a excitação que emerge para mover a pessoa em direção a algo fica presa num “futuro imaginado”.

Essa energia represada cria tensão, inquietação, ruminação, medo e paralisação.

Laura Perls aprofunda esse aspecto fenomenológico:

“A ansiedade é a excitação que não encontra forma.”

— L. Perls, 1992, p. 41

Ou seja, a ansiedade aparece quando o impulso, em vez de se transformar em ação, fica suspenso entre intenção e realização.

2.2. Yontef: ansiedade como perturbação da fronteira de contato

Gary Yontef, em Awareness, Dialogue and Process, explica:

“A ansiedade é uma perturbação que interrompe o fluxo de contato entre organismo e ambiente.”

— Yontef, 1993, p. 127

A fronteira de contato é o lugar onde “eu encontro o mundo”. Quando ela se torna rígida, borrada ou instável, o self perde fluidez. A ansiedade é o sintoma dessa perda.

2.3. Zinker: ansiedade como fronteira endurecida

Joseph Zinker descreve nos anos 1970 algo muito atual:

“A fronteira ansiosa é uma fronteira que perdeu elasticidade.”

— Zinker, 1977, p. 84

Um self saudável é elástico: aproxima-se e se afasta, diz “sim” e “não”, negocia, cria.

O self ansioso, ao contrário, reage de modo rígido, hipercontrolado ou totalmente colapsado.

2.4. Spagnuolo Lobb: ansiedade como des-sintonia relacional

Margherita Spagnuolo Lobb, uma das maiores referências vivas da Gestalt contemporânea, descreve:

“A ansiedade é um esforço do self para se ajustar a um ambiente vivido como imprevisível.”

— Spagnuolo Lobb, 2018, p. 67

Ou seja, ela é uma tentativa de cuidado, mesmo que custosa.

3. O sintoma como processo: a função da ansiedade

Ao invés de combater a ansiedade como “erro”, a Gestalt-terapia pergunta:

Para que esta ansiedade está servindo?

Que ajuste criativo ela representa?

Roberto Zachello, em texto fundamental, sintetiza:

“O sintoma é a solução criativa encontrada quando o campo não oferece recursos.”

— Zachello, 2004, p. 88

Isso significa que:

  • a ruminação pode proteger da dor de fazer escolhas,
  • o controle pode proteger da sensação de desamparo,
  • a evitação pode proteger da possibilidade de rejeição,
  • a tensão corporal pode proteger do contato com emoções intensas.

A ansiedade raramente é um “problema isolado”: ela é uma estratégia do organismo para se autossustentar em contextos vividos como ameaçadores.

4. O corpo ansioso: diálogo entre Gestalt e neurociência

A Gestalt sempre sustentou a unidade corpo-mente.

Perls afirmava:

“O corpo sabe.”

— Perls, 1969

Hoje, a neurociência confirma vários pontos dessa visão.

4.1. Sistema nervoso autônomo e ameaça

Pesquisas de LeDoux (2020) demonstram que a amígdala reage automaticamente a sinais de ameaça, mesmo antes da percepção consciente. Isso explica por que o ansioso “sente no corpo” antes de “entender na mente”.

4.2. Interocepção

Estudos de Farb (2023) mostram que maior consciência interoceptiva — percepção do interior do corpo — está associada a menor reatividade ansiosa.

Essa é a base do trabalho gestáltico de voltar ao corpo, às sensações, ao chão, ao ritmo.

4.3. Teoria Polivagal

Stephen Porges (2018) propõe que a regulação emocional depende da sensação de segurança fisiológica.

Gestalt-terapeutas fazem isso intuitivamente há décadas: presença, voz, ritmo, postura, respiração.

Zinker, sem neurobiologia, já dizia:

“A presença do terapeuta regula a excitação do paciente.”

— Zinker, 1977

5. Ansiedade como fenômeno de campo

A Gestalt-terapia afirma que não há sintoma fora do campo.

Yontef é categórico:

“O self não é algo dentro da pessoa, mas um processo que emerge no campo organismo-ambiente.”

— Yontef, 1993, p. 201

Portanto, ansiedade não é apenas:

  • traço de personalidade,
  • disfunção neuroquímica,
  • fragilidade emocional.

É uma expressão relacional.

5.1. Pressões contemporâneas que modulam ansiedade

Talvez nunca vivemos:

  • tanta exposição,
  • tanta comparação social,
  • tanta velocidade,
  • tanta incerteza.

Spagnuolo Lobb (2021) descreve que vivemos numa “sociedade hiper-excitada”, onde o ritmo externo excede a capacidade interna de processar experiência. Isso gera self fragmentado e fronteira instável — terreno fértil para ansiedade.

5.2. Psicologia do desenvolvimento e campo familiar

Autores como Sroufe (2016) e Siegel (2020) demonstram que crianças expostas a:

  • vínculos inseguros,
  • ambientes imprevisíveis,
  • transições abruptas,
  • expectativas rígidas,

desenvolvem respostas ansiosas mais facilmente.

A Gestalt sempre reconheceu isso: o self se forma no campo.

6. A ansiedade na fronteira de contato: mecanismos de interrupção

6.1. Retroflexão

Perls define:

“Retroflexão é quando faço a mim aquilo que gostaria de fazer ao ambiente.”

— Perls, 1973, p. 122

A retroflexão ansiosa aparece como:

  • autocobrança,
  • tensão muscular crônica,
  • autocrítica,
  • contenção de impulsos.

6.2. Projeção

Atribuir ao outro:

“Eles vão me julgar”, “vão me rejeitar”.

6.3. Introjeção

Crenças rígidas internalizadas:

  • “Tenho que ser perfeito.”
  • “Não posso errar.”
  • “Preciso agradar.”

Zinker aponta:

“Introjetos rígidos alimentam ansiedade porque impedem novos ajustes criativos.”

— Zinker, 1977, p. 63

6.4. Confluência

Medo de desagradar ou perder o outro.

Fusão emocional que torna impossível relaxar.

Polster & Polster afirmam:

“A confluência elimina diferenças e empobrece o contato.”

— Polster & Polster, 1973, p. 49

7. A ansiedade no ciclo de contato

O ciclo de contato é um mapa fenomenológico poderoso.

7.1. No pré-contato

O ansioso vive hiperantecipação.

É o “futuro catastrófico”.

7.2. No contato

O self perde discriminação; tudo parece ameaça.

7.3. No contato final

Paralisação, dúvida, confusão, medo.

7.4. No pós-contato

Culpa, vergonha, ruminação.

Polster & Polster lembram:

“A vitalidade do self depende da fluidez do contato.”

— Polster & Polster, 1973, p. 44

8. O processo terapêutico: como a Gestalt trata ansiedade?

8.1. Awareness como pilar

A terapia é um treino de presença.

Perls diz:

“A awareness é curativa em si mesma.”

— Perls, 1969, p. 15

8.2. Trabalho com o corpo

Sentir pés, apoiar respiração, nomear tensões.

Zinker reforça:

“O corpo é o primeiro lugar onde a ausência de contato aparece.”

— Zinker, 1977

8.3. Experimentos

Experimentar não é “técnica”, é revelação.

“O experimento revela o óbvio não notado.”

— Zinker, 1977, p. 99

Exemplos:

  • sustentar olhar,
  • interromper controle,
  • dizer “não”,
  • trabalhar polaridades,
  • explorar a fantasia catastrófica,
  • aproximar e afastar-se do terapeuta.

8.4. Ritmo e sintonização

Spagnuolo Lobb:

“O terapeuta ajusta-se ao ritmo do cliente para reconstituir sua vitalidade.”

— Spagnuolo Lobb, 2013, p. 143

8.5. Construção de suporte

Sem suporte, a ansiedade domina.

Yontef ensina:

“Suporte é a base da liberdade.”

— Yontef, 1993, p. 247

9. Evidências científicas que sustentam a Gestalt no tratamento da ansiedade

9.1. Terapias humanistas-experienciais

Elliott et al. (2013), Journal of Clinical Psychology:

Terapias humanistas-experiências têm efeito robusto para ansiedade.

9.2. Neurociência da regulação emocional

Porges (2018): Terapia é co-regulação fisiológica.

9.3. Pesquisas em interocepção

Farb (2023): Aumento de consciência corporal = redução de ansiedade.

9.4. Psicologia do desenvolvimento

Sroufe (2016): Ambientes inseguros → respostas ansiosas crônicas.

10. Conclusão: o caminho gestaltista para transformação da ansiedade

A Gestalt-terapia não busca “cura rápida” nem “eliminação de sintomas”.

Ela busca inteireza, presença, contato, ritmo, suporte, criatividade.

A ansiedade é vista como:

  • sinal,
  • ajuste,
  • pedido de reorganização,
  • expressão da relação com o mundo.

Como Perls conclui:

“Não tente ser sem ansiedade. Tente ser inteiro.”

— Perls, 1969

O Dr. Danilo Suassuna — como psicólogo, doutor — ressalta frequentemente que compreender a ansiedade pela Gestalt significa dar dignidade à experiência humana, reconhecendo no sintoma não um defeito, mas um convite à reorganização do self.

Compartilhe esse conteúdo:

Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

Acesse o Lattes: http://lattes.cnpq.br/8022252527245527

Últimas do Blog

Ansiedade para pais
  • 2 dez 2025