A impactante presença masculina na Infertilidade

  • post publicado em 17/03/25 às 21:17 PM
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                                                                                                          Kátia M.Straube

Não poder conceber naturalmente costuma ser vivido como uma experiência excludente capaz de gerar repercussões marcantes. A infertilidade sempre esteve presente na existência humana. Escritos bíblicos e mitológicos testemunham essa circunstância e as agruras que advém do desejo frustrado de gerar vida. Um caminho de lutos inevitáveis vai se construindo, desde as tentativas frustradas até a notícia do diagnóstico, à realização de tratamentos atualmente disponíveis, à decisão de prosseguir ou não o processo reprodutivo, seja para a mulher, seja para o homem. Por muito tempo, os problemas de fertilidade foram atribuídos prioritariamente à mulher, sendo que os estudos se concentraram nelas em função de sua ligação com o processo gestacional.

Todavia, nos dias de hoje, a medicina do homem progrediu e aponta que as causas masculinas representam papel importante na determinação do diagnóstico de infertilidade, abrangendo quase metade desta causalidade. Hoje, tem-se que os problemas de fertilidade são causados: – 40% por fator feminino, 40% por fator masculino, 10% por causas de ambos e 10% por causas não-aparentes. Apenas recentemente, o fator masculino vem sendo considerado importante, assim como a figura do homem, no processo reprodutivo, que sempre esteve invisibilizada. A experiência de homens que vivenciam a infertilidade ainda é escassa na literatura, mas não menos relevante quando se considera que se trata de uma experiência impactante que pode trazer momentos de crise individual, de casal e de família. 

A baixa autoestima é um dos primeiros sinais deste quadro que vem acompanhado de frustrações, ansiedades, medos e angústias, sinalizando o comprometimento da saúde emocional dos homens que transitam nessa jornada. A ideia predominante é a de que conceber é natural, é assunto a ser tratado entre quatro paredes, ou seja, na intimidade de um casal. Quando surge a dificuldade de procriar, se revela uma dificuldade inesperada, na maior parte das vezes. O tema sai do contexto íntimo, adentra o ambiente multiprofissional da reprodução assistida, sendo capaz de originar um processo emocional abrangente.

Outra ideia recorrente diz respeito às associações que ainda se fazem presentes, atualmente, entre infertilidade e virilidade. Muitos homens sofrem em função desta crença, socialmente disseminada, que pode gerar muitos dissabores e contribuir para baixa autoestima e baixa autoimagem.

A situação da infertilidade proporciona o olhar para a sua saúde, a participação na rotina de um serviço médico, com exames, consultas, espera, exposição do corpo: … “rompe com a familiaridade habitual do ser-homem, firmada no valor da dimensão reprodutiva; e reveste-se de um caráter estigmatizante e patológico, portanto, provocador de sofrimento”. (Silva e Barreto, 2017)

Acrescente-se que, ao se optar pelos tratamentos reprodutivos, a mulher é, sem dúvida, a que sofre mais intervenções sobre seu corpo, e que, em geral, o homem se sente tendo que assumir um lugar de força e potência, para conferir suporte de apoio a ela. Essa contingência direciona o foco médico na mulher, em como acontece seu ciclo reprodutivo, como seu corpo está respondendo aos estímulos, à medicalização. Ainda hoje, pouco se olha para o homem, para o funcionamento do corpo masculino, a não ser para a qualidade e quantidade da produção espermática e muito menos, ainda, para suas emoções e sentimentos, cuja expressão é muitas vezes vivida por ele como uma não-permissão, em face do lugar de vulnerabilidade da mulher.

Essa situação acaba sendo estimulada pela equipe multiprofissional que ao priorizar as respostas do corpo feminino, desvia sua atenção do homem, esquecendo que ele é também protagonista desta vivência penosa e estressante. Se o fator de infertilidade predominante do casal for masculino, espera-se mais atenção a ele, porém, a decepção, a frustração, a culpa que este fator traz, constituem um estado psicoemocional importante que muitas vezes não encontra espaço de expressão no contexto em que acontece.

O recente filme dinamarquês “História de amor em Copenhage” retrata muito bem a realidade de um casal contemporâneo, uma escritora (Mia) e um pai solo de duas crianças (Elmi), que ao desejar ter um filho juntos, se defronta com a dificuldade de conceber naturalmente. O fator de baixa quantidade espermática é colocado em pauta e, assim, o casal é encaminhado aos tratamentos reprodutivos, iniciando uma jornada desgastante que desafia seu relacionamento. Um dos pontos importantes no filme é a percepção e o desabafo de Mia sobre a diferença de tratamento dada a ela e a Elmi, por parte da equipe médica, apontando para a falta de cadeira para ele durante todas as consultas médicas.

No cotidiano clínico, muitas vezes, a preocupação da equipe atrelada ao desejo desenfreado do casal de engravidar, reproduz esta cena, onde não há tempo a perder, já que o relógio biológico não pára: não há espaço nem lugar para o homem se colocar, se posicionar. A trama cinematográfica conduz a essa realidade nem sempre conhecida, mas que pode ser avassaladora para muitos casais e indivíduos.

A inserção do homem no processo reprodutivo é um direito capaz de incrementar não apenas o vínculo conjugal, mas também vínculos precoces com o bebê desejado, despertando a emergência do pai cuidador. Desta forma, o início, o durante e o pós-tratamentos marcam momentos de uma construção parental que pode ou não facilitar o engajamento na função paterna e o vínculo com o bebê. Uma nova construção que deve ser feita a partir das “novas” formas de concepção proporcionadas pela biotecnologia reprodutiva, e que demanda uma revisão sobre modelos estereotipados e tradicionais de paternidade e maternidade.

A experiência com o tratamento reprodutivo traz a oportunidade de um início de aprendizagem para o homem (e, também, para a mulher), visto que as transformações socioculturais atuais vêm exigindo mudanças no papel masculino e no papel de pai.  

A prática clínica nos serviços de reprodução assistida tem nos mostrado a importância do profissional de saúde mental, uma presença capaz de proporcionar uma escuta ativa, acolhedora das demandas, sonhos e temores dos protagonistas do enredo da infertilidade. Neste contexto, não deixa de considerar o homem, dando voz a ele, agregando-o ao tratamento de maneira respeitosa e humanizada, contribuindo para torná-lo um protagonista real do projeto parental, aprofundando sua autocompreensão, especialmente no nível das emoções, o que pode repercutir sobre suas relações pessoais, familiares e sociais, no presente e no futuro.  

Referência:

SILVA, E. F. G.;    BARRETO, C..Corpo e infertilidade masculina: diálogos a partir da fenomenologia existencial. Est. Inter. Psicol. []. 2017, 8, 2, pp.65-84. ISSN 2236-6407.

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Danilo Suassuna
Danilo Suassuna

Dr. Danilo Suassuna Martins Costa CRP 09/3697 CEO do Instituto suassuna, membro fundador e professor do Instituto Suassuna ; Psicoterapeuta há quase 20 anos, é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(PUC-GO);

Especialista em Gestalt-terapia, Doutor e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2008) possui graduação em Psicologia pela mesma instituição. Pós-Doutorando em Educação;

Autor dos livros:

  • Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico;
  • Renadi - Rede de atenção a pessoa idosa;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia; Teoria e Prática;
  • Supervisão em Gestalt-Terapia: O cuidado como figura;

Organizador do livro Supervisão em Gestaltt-Terapia, bem como autor de artigos na área da Psicologia; Professor na FacCidade.

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