

Psicologia não é ciência!
O que a crise da reprodutibilidade nos Ensina sobre o futuro da profissão
Nos últimos anos, a psicologia tem sido colocada à prova em um debate que vai muito além das salas de aula ou dos laboratórios de pesquisa: a crise da reprodutibilidade. Esse movimento científico, surgido a partir de investigações internacionais, levantou uma questão fundamental: os resultados de nossas pesquisas em psicologia são realmente confiáveis quando testados novamente em outros contextos?
Em 2015, o Reproducibility Project: Psychology, liderado pela Open Science Collaboration, tentou replicar 100 estudos clássicos de psicologia social e cognitiva. O resultado foi surpreendente: apenas 39% dos estudos conseguiram ser reproduzidos com sucesso (Open Science Collaboration, 2015). Esse dado abalou a comunidade científica e colocou a psicologia na balança diante da opinião pública.
O que está em jogo?
A crise não significa que a psicologia “não funciona”, mas revela que, em alguns casos, há falta de coerência metodológica por parte dos pesquisadores. Muitos estudos foram conduzidos com amostras pequenas, métodos frágeis ou análises pouco criteriosas, e isso compromete a confiabilidade dos resultados.
- Na ciência, a pressão por publicar rapidamente, o excesso de estudos pouco robustos e a ausência de replicações consistentes têm contribuído para essa fragilidade.
- Na prática profissional, a consequência é direta: se nossas bases teóricas são frágeis, corremos o risco de aplicar técnicas e intervenções sem respaldo sólido, enfraquecendo a credibilidade da profissão perante a sociedade.
Psicologia na balança: desafio e oportunidade
É fundamental deixar claro: a crise da reprodutibilidade não coloca em dúvida a Psicologia como ciência. Pelo contrário, reforça a necessidade de mantermos o rigor que já nos caracteriza. A Psicologia é uma ciência sólida, competente e com forte tradição metodológica, mas que, em alguns momentos, não é seguida por todos.
O futuro da profissão depende da nossa capacidade de preservar e ampliar esse rigor, garantindo que a prática profissional se mantenha fiel às evidências e ao compromisso ético com aqueles que atendemos.
Assim, a crise nos ensina uma lição importante: a Psicologia continua firme e robusta, mas precisa que cada um de nós — pesquisadores e profissionais — faça sua parte para que a balança penda sempre para a ciência responsável e atuante.
Lições para o futuro da Psicologia
A crise da reprodutibilidade não deve ser vista como ameaça, mas como uma oportunidade de amadurecimento científico e profissional. Dela emergem pelo menos três grandes lições:
- Transparência e ciência aberta
É fundamental adotar práticas como pré-registro de estudos, compartilhamento de dados e incentivo à replicação. Isso fortalece a confiança entre pesquisadores e abre espaço para colaborações mais éticas e responsáveis. - Rigor metodológico
A psicologia precisa de pesquisas com amostras maiores, desenhos experimentais mais sólidos e análises mais criteriosas. Isso não significa abandonar a criatividade ou a diversidade de abordagens, mas garantir que nossas evidências tenham consistência. - Tradução crítica para a prática
O psicólogo clínico, escolar ou organizacional não pode se apoiar em modismos ou técnicas sem evidência robusta. É necessário desenvolver uma postura crítica e embasada, capaz de filtrar o que de fato funciona e o que ainda precisa ser melhor testado.
Ser atuante: a resposta da Psicologia à crise
No contexto do Instituto Suassuna, trabalhamos com a ideia de ser atuante: psicólogos que não se limitam às quatro paredes do consultório, mas que ocupam espaços sociais, educativos e políticos.
Ser atuante, diante da crise de reprodutibilidade, significa:
- Questionar práticas que não têm respaldo empírico.
- Participar da construção de novos conhecimentos e não apenas consumir passivamente pesquisas.
- Aplicar aquilo que realmente produz efeitos comprovados no bem-estar das pessoas.
Em outras palavras, o psicólogo atuante é também um agente crítico da ciência, não apenas um executor de técnicas.
Ser perene: construir confiança ao longo do tempo
Além de atuar, é preciso permanecer. Ser perene significa construir uma psicologia que não se dilui diante das crises, mas se fortalece.
Isso implica:
- Formação continuada: não basta o diploma, é preciso atualização constante.
- Ética profissional: atuar com compromisso e responsabilidade, mesmo diante de incertezas científicas.
- Presença social: manter a psicologia próxima da população, não como discurso passageiro, mas como presença contínua e confiável.
Aqui, vale resgatar Winnicott e sua noção de “continuidade de ser”: tal como o bebê precisa da constância da mãe suficientemente boa, a sociedade precisa de uma psicologia que seja presença confiável, crítica e em constante amadurecimento.
Psicologia na balança: desafio e oportunidade
A crise da reprodutibilidade pode ser lida como um chamado. Não é apenas um questionamento metodológico, mas uma convocação para repensarmos o lugar da psicologia no mundo contemporâneo.
O futuro da profissão depende de nossa capacidade de:
- Produzir ciência mais robusta.
- Traduzir essa ciência em prática clínica e social responsável.
- Atuar e permanecer como profissão confiável diante da sociedade.
Como psicólogo, doutor e pós-doutor em Psicologia, acredito que nosso maior desafio é equilibrar a balança entre ciência e prática, entre inovação e permanência. O Instituto Suassuna segue nesse caminho: formando psicólogos atuantes e perenes, capazes de sustentar o futuro da profissão com rigor, ética e presença. E você, psicólogo ou estudante, como tem equilibrado essa balança em sua prática?